Manifestações: o passado e o porvir

Estamos no calor do momento. No início do mês quem falasse que haveria manifestações pelo Brasil inteiro seria taxado de louco, eu mesmo faria coro a tal opinião. De fato, estamos vivendo dias novos, onde pessoas como eu, que tenho 25 anos e nunca vivenciaram uma experiência dessas, estão sentindo como viver a política, como ser um cidadão participante e não apenas no evento das eleições, no qual o brasileiro ainda sente como um castigo o fato de ser obrigado a votar em alguém. Há quem diga que estamos vivendo a “primavera brasileira” ou até nas palavras do prof° Henrique Carneiro, uma “revolução”. Eu lhes pergunto (já respondendo): estamos vivendo? Não, não estamos. E digo o por que.

Para lhes responder, eu remonto a exatos dois anos, quando houve a 2ª Marcha da Liberdade, um evento em resposta a repressão policial na Marcha da Maconha, realizada dias antes. Eu fui ao evento e postei em meu blog (link aqui) dando minhas sinceras impressões. Na época, era a Marcha da Liberdade, mas uma liberdade multiuso. Era liberdade para ser gay; liberdade para o aborto; para a liberdade religiosa; liberdade pra fumar uma maconha; liberdade para protestar sem levar balas de borracha e gás lacrimogêneo. Também tinha os contras, afinal, liberdade demais é baderna já dizia a Folha, Estadão e demais veículos da mídia de direita: havia o protesto contra a homofobia, contra a construção da Usina de Belo Monte, contra o Rafinha Bastos, na época iniciando seu caminho para o ostracismo e CONTRA A TARIFA DE R$3,00!!. (pensando aqui com meus botões: porque não fizeram a bagunça já naquele momento? Afinal, não é só pelos R$0,20…) Também estavam muitos jovens, alguns afoitos por irem à primeira manifestação (a primeira vez é excitante mesmo), nem sabiam o que era a PL 122, por exemplo. Foi a minha primeira manifestação e foi importante, apesar de pouco reverberar na mídia e mais importante, nos nossos corações e mentes.

Cá estou, dois anos depois, vindo a mais uma manifestação. Eu fui ao primeiro ato contra o aumento da tarifa e no quinto, ocorrido na segunda feira. Da minha parte eu posso dizer que foi impressionante. Nunca tinha presenciado tantas pessoas nas ruas, gritando, esbravejando, soltando a sua indignação para todo mundo ver. As manifestações, ao contrário da Marcha da Liberdade, tem apenas uma entidade (teoricamente) por trás da organização, o Movimento Passe Livre. Apesar de ser Passe Livre, eles querem apenas no momento a revogação do aumento da tarifa. Porém, o protesto do brasileiro de agora em relação ao de dois anos atrás tem suas semelhanças e discrepâncias. Discrepância em relação a ser mais apartidário. Se em 2011 era permitida a presença de legendas como PSTU, PSOL e PCO, hoje os militantes são rechaçados e obrigados a baixarem suas bandeiras e esconderem seus vínculos. Já a semelhança remonta aos pedidos. Se naquela época existiam reivindicações para todos os gostos, hoje também não foge a regra: há defesas por uma saúde melhor, educação de qualidade, transporte de qualidade, reforma agrária e política, revisão da carga tributária, melhorias no transporte público, PEC 37 etc etc etc.

 

Os perigos

Uma das características desses movimentos é a falta de um líder ou uma organização. Existe o Passe-Livre, dizem alguns. Sim, realmente, mas enquanto estou escrevendo esse texto o aumento já foi revogado. O foco do MPL como declarado em seu site e em entrevista no programa Roda-Viva desta segunda (17/06) é a revogação do aumento e posteriormente a tarifa zero. Sabemos que o país vive uma série de carências nos ramos já reivindicados pelos manifestantes nas fotos acima e numa possível – mas difícil – gratuidade no transporte público, a atuação do movimento na vanguarda seria sem sentido, a não ser por apoio em forma ideológica – o MPL tem afinidades com o socialismo.

Quando estava no quinto ato, acompanhado de um amigo. Paramos para mostrar o nosso cartaz de deboche (legalize já o vinagre) e proferíamos palavras no mesmo estilo quando uma mulher se intitulando jornalista e advogada perguntou o por que de estarmos ali. Expressei minha opinião, dizendo que fora o vinagre, eu era a favor de investimentos em educação para que assim, se formem cidadãos mais conscientes de seu papel na sociedade e sua atuação na política. Muita gente não percebe o seu papel político no dia a dia. Um exemplo básico: um adolescente já adota uma estratégia política ao combinar com os pais a hora de chegar em casa após uma festa e assim, colaborar para o bom ambiente do lar. Tal transgressão desse “acordo” estabeleceria uma má relação entre as partes. Meu amigo também expressou uma opinião parecida, porem, a nossa amiga recente expunha o seu temor, porque segundo ela “quem é a favor de tudo é contra tudo” e “não há uma liderança, um norte” e episódios parecidos já ocorreram na história com fins trágicos como o Nazismo e a Ditadura Militar de 1964 quando diante de uma população desnorteada, surgia um indivíduo prometendo a solução simultânea dos problemas. Compartilhei do temor dela e diante desse cenário, posso tirar algumas conclusões, mesmo ainda me situando na efervescência dos acontecimentos:

1° O tempo dirá se estamos caminhando para uma revolução ou se é apenas um grito de desespero no qual o simples ato de gritar já causa uma calmaria. Os “indignados” da Espanha mostraram sua insatisfação contra o governo socialista e mesmo assim não sobrou outra opção senão a de votar em um candidato da direita. A pesar dos protestos não terminarem até hoje, por enquanto a raiva acabou se tornando um fim em si mesmo. O brasileiro está revoltado contra tudo e contra todos, mas, graças a Deus, ainda vivemos em uma democracia. Ela está aí e mesmo com divergências, os partidos tem o direito de estar nos grupos de protestos, apenas temos que usar os partidos para benefício coletivo.

2° Se não quiserem os partidos que estão aí, uma via alternativa pode ser encontrada ecoando nas vozes do fascismo – uma pausa nas minhas reflexões -. Esse já é o terceiro dia que escrevo esse texto, mais pra acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e o que antes eu louvava como sendo uma manifestação legítima, já enxergo um perigo rondando. Para efeito de ilustração, eu recomendo a todos assistirem o filme “A Onda” (2008), filme dirigido por Dennis Gansel onde o professor Rainer Wenger ministra um mini-curso de uma semana sobre autocracia. Seus alunos não acreditam que o totalitarismo possa voltar na Alemanha moderna, porém, o professor mostra de um jeito didático e cativante em cinco dias como é fácil manipular as massas. Os resultados como podem imaginar são desastrosos.

A não ser na Copa do Mundo, o Brasil nunca foi nacionalista; E um país que nunca teve essa característica, de repente evoca seu espirito ufanista com pessoas se enrolando em bandeiras brasileiras e rechaçando partidos políticos em prol de uma unidade (lembre-se do jargão “o gigante acordou”) significa que algumas pessoas ainda não aprenderam com os erros do passado.

Anthony Cardoso

Fontes:

Movimento Passe Livre: <http://saopaulo.mpl.org.br/>. Acesso em 20/06/13

Programa Roda Viva – Movimento Passe Livre: <http://www.youtube.com/watch?v=BYASRwXiQ4g> Acesso em 19/06/13

Wikipedia – A Onda: <http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Onda_(filme)> Acesso em 21/06/13

Entrevista – Pensamento Pop

A Filosofia pode se tornar mais “pop” sem perder a complexidade de raciocínio. Charles Feitosa defende que ela se misture às artes e fuja dos temas mais tradicionais

FOTOS: Silvia Costanti
“A ´Filosofia Pop´ não precisa se subordinar às ciências, mas se deixa contagiar estruturalmente pelas artes. Gosto da expressão porque ela incomoda e atrai, mas poderia também ser chamada de ´Filosofia híbrida´, ´pensamento finito´ ou, ainda, ´racionalidade afetiva”

Muitas vezes um filósofo precisa reaprender a pensar não filosoficamente. É o que defende Roberto Charles Feitosa de Oliveira, que irá ministrar um curso sobre “Filosofia Pop” na Casa do Saber, segundo ele, uma Filosofia dirigida mais ao povo do que aos eruditos. Mas Feitosa ressalta que um pensamento “pop” não é raso e simples, como sugere a conotação que o termo ganhou a partir da década de 1990. É apenas mais híbrido, mais aberto a influências de outras áreas, como da dança e do teatro. A “Filosofia Pop” não prioriza os temas e autores mais tradicionais, mas também não perde a complexidade ou banaliza o pensamento. “Pode ser muito importante investigar, por exemplo, a questão do poder no uso do controle remoto nas famílias urbanas contemporâneas”, diz o professor da Universidade Federal do Eestado do Rio de Janeiro (Unirio), doutor em Filosofia pela Albert-Ludwigs Universität Freiburg, da Alemanha, e pós-doutor em Filosofia pela Universidade de Potsdam, também alemã. Para Feitosa, um estudo como o mencionado acima pode ser tão fértil quanto discutir as relações entre moralidade e eticidade na obra de Hegel. Foi abordando temas cotidianos, como amor, morte e arte, que escreveu o livro Explicando a Filosofia com Arte (Ediouro, 2004), com o qual ganhou o prêmio Jabuti na categoria didático e paradidático de ensino fundamental ou médio, em 2005. Para ele, a “Filosofia Pop” procura contagiar-se pelas artes, deixar que conceitos sejam guiados por imagens e não o contrário – o que, a princípio, pode desorientar um pouco o pensamento, mas enriquece a compreensão de mundo. Gostou das ideias? É apenas uma parte do que ele nos conta nesta entrevista.

FILOSOFIA – O senhor vai dar um curso sobre “Filosofia Pop” na Casa do Saber. O que é a “Filosofia Pop”?
Roberto Feitosa – Já tentei responder a essa pergunta em um ensaio, com ares de manifesto, publicado em 2001, sob o título O que é isto: a Filosofia Pop?. Provavelmente não há uma única maneira de fazer “Filosofia Pop”. Essa expressão aparece rapidamente em duas ou três passagens de Deleuze, sem maiores aprofundamentos. Eu mesmo prefiro me guiar pelo título de uma canção do compositor Wilson Moreira, interpretada por Candeia, chamada Ao povo em forma de arte. Então, tal como eu a imagino, a “Filosofia Pop” não precisa se subordinar às ciências, seja como rainha das ciências, metaciência ou ciência auxiliar, mas se deixa contagiar estruturalmente pelas artes. Além disso, é endereçada ao povo e não apenas aos eruditos, com a importante ressalva de que “povo” não existe em si, nem é definido por raça, solo, língua ou classe. “Povo” se constitui, sempre e de cada vez, quando singulares compartilham a experiência do pensar. Gosto da expressão porque ela incomoda e atrai, mas poderia também ser chamada de “Filosofia híbrida”, “pensamento finito” ou, ainda, “racionalidade afetiva”. Na orelha do meu livro Explicando a Filosofia com Arte defino “Filosofia Pop” como um projeto que envolve a associação de conceitos com imagens, em uma linguagem acessível e bem-humorada, sem perder o rigor e a densidade inerentes à Filosofia. Acrescentaria que é um pensar que visa a resistir e embaralhar as hierarquias tradicionais da cultura, por isso é “pop” e não “popular”, já que este me parece ser um termo demasiadamente comprometido com a dicotomia e a oposição contra o culto ou o letrado.

A cultura popular parece estar condenada a dois julgamentos extremos: ou é menosprezada ou celebrada como se fosse a única autêntica

FILOSOFIA – O senhor diz que é uma “Filosofia Pop” e não uma “Filosofia Popular”. Qual seria a diferença entre a Filosofia “pop” e a popular?
Feitosa – Como eu disse, prefiro o termo “pop” em vez de “popular” porque este conceito é muito problemático, tendo sido provavelmente cunhado pelos eruditos para tentar demarcar tudo aquilo que escapa ao erudito mesmo. A cultura popular parece estar condenada a dois julgamentos extremos: ou é menosprezada ou é celebrada como se fosse a única autêntica. Gostaria de escapar desse dualismo elitismo x romantismo por meio da ideia de uma “Filosofia Pop”, ou seja, híbrida, transdisciplinar. Dentro dessa lógica eu diria que a “Filosofia Pop” não quer ser erudita, mas também não quer ser popular a qualquer preço. É o difícil caminho do “entre”. De um lado, a Filosofia acadêmica, altamente codificada, perdendo cada vez mais a conexão com seu lugar e seu momento. De outro lado, existem hoje alguns projetos que fazem da Filosofia apenas mais uma receita de bolo, uma forma de explorar comercialmente a inquietação das pessoas diante de um mundo em que não se sentem em casa. É preciso sair dessas duas situações extremas. A esse respeito costumo citar o falecido artista plástico Keith Haring (1958-1990), famoso pelos seus desenhos e grafites. Ele dizia que em toda sua obra há uma preocupação em mostrar para as novas gerações que a Arte não é uma atividade restrita às elites, qualquer um com um pouco de imaginação e coragem pode reorganizar seu mundo, criar novas formas, belas e instigantes. Fico pensando que uma “Filosofia Pop” no Brasil deveria ser assim também. Sem descuidar do conteúdo, mas também sem transformá-lo em uma espécie de mistério sagrado, acessível apenas a alguns iniciados.

FILOSOFIA – Você comenta que o mundo atual mistura as dicotomias e hierarquias, como “culto” e “popular”, “rural” e “urbano”, “moderno” e “tradicional”, e afirma ser necessário que a Filosofia também se torne híbrida. A Filosofia também tem suas dicotomias e hierarquias?
Feitosa – A Filosofia, tal qual a conhecemos no Ocidente, tem se pautado por diversas dicotomias hierárquicas: ser x devir, corpo x mente, sujeito x objeto, identidade x diferença, indivíduo x sociedade, etc.. Costumo dizer que essas dicotomias se apresentam na forma de “versões” ou de “inversões”. Por “versões” entendo as hierarquias mais tradicionais (do tipo “o belo é melhor do que o feio”), que costumam privilegiar o idêntico em detrimento do diferente. Por “inversões” nomeio as diversas tentativas epocais de superar as hierarquias pela mera reação ou reversão dos polos, sem um questionamento da dicotomia ou da hierarquia nelas mesmas (do tipo “o feio é melhor do que o belo”). O problema dessas dicotomias é que elas determinam previamente o horizonte do pensamento, criando muitas vezes dilemas impossíveis de serem resolvidos, já que partem de premissas incompatíveis. Uma “Filosofia Pop”, tal como eu a entendo, deve procurar a “ex-versão” das dicotomias e das hierarquias. “Ex-verter” é um neologismo que inventei para traduzir o termo heideggeriano Herausdrehen (algo como “girar para fora, desparafusar”). Como pensar a obra de arte, por exemplo, para além do binômio beleza/feiura?

FILOSOFIA – Você diz que a hibridização é necessária na Filosofia para que se possa compreender adequadamente o que está acontecendo na sociedade neste momento histórico. Em que sentido a Filosofia pode se tornar híbrida? E como isso a ajudaria a compreender nosso tempo?
Feitosa – Nestor Canclini, no seu livro Culturas Híbridas, dizia que precisamos de “ciências nômades”, capazes de romper com a divisão da cultura em camadas estanques: culto, popular e massivo. A “Filosofia Pop” é híbrida justamente por se colocar em relação com a não Filosofia, deixando assim que diferentes saberes (artes, tecnologias, mídias) se interfiram entre si. Do mesmo jeito que o não filósofo pode aprender a pensar, o filósofo tem às vezes que reaprender a pensar não filosoficamente. Acredito que a tarefa do pensamento, em uma era de culturas híbridas, é deixar que a Filosofia se torne “pop”. Esse termo ganhou uma conotação de raso, fácil e leve somente a partir da década de 1990. Nas décadas de 1960 e 1970, ao contrário, “pop” era o nome para o projeto de reavaliação do mundo por meio dos movimentos da contracultura: liberação sexual, crítica à ética protestante do trabalho, resistência às hierarquias e às autoridades. Arrisco dizer que há um desenvolvimento (ou uma regressão) de certo “pop I” (alternativo, lúdico, híbrido) para um “pop II” (comercial, industrial, homogeneizante). Não dá para voltar à época da Pop Art, de Andy Warhol, então temos de inventar novas formas do pop – III, IV, etc.

FILOSOFIA – Em que sentido caminhariam esses novos “pops”? Já se traça algum novo sentido?
Feitosa – Costumo brincar que o “pop III” já foi inventado, trata-se de um protocolo para troca de e-mails na internet. Já me perguntaram como eu imagino o “pop IV” ou “pop V”, mas não sou futurólogo. Minhas apostas vão sempre à busca de colaboração entre filósofos e artistas e na escuta muito atenta dos não filósofos (colegas de outras áreas, profissionais diversos, alunos, amigos, sejam antigos ou futuros). É um projeto a ser realizado em grupos, apontando para várias direções. A propósito, acabo de fundar uma rede social na internet, aberta a todos que queiram conhecer, participar e divulgar suas próprias propostas. O endereço é: filosofiapop.ning.com. Estou trabalhando no momento no processo de instauração de um laboratório de estudos transdisciplinares de “Filosofia Pop” (POP-LAB), na Unirio. A ideia é constituir um espaço de liberdade, em que pesquisas teóricas e práticas, que conjuguem o tradicional com o contemporâneo, o universal e o regional, o erudito e o cotidiano, possam ser desenvolvidas. Além disso, orgulho-me de anunciar que a Unirio irá oferecer, a partir do primeiro semestre de 2010, uma nova graduação em Filosofia, com foco no pensamento contemporâneo e transdisciplinar em torno da cultura brasileira. Provavelmente será a única licenciatura em Filosofia do Brasil com uma orientação “pop” no seu currículo. Por enquanto, eu espero.

FILOSOFIA – O hibridismo de que o senhor fala tem algo a ver com a transdisciplinaridade, tão em voga hoje em dia?
Feitosa – Acredito que sim. A “Filosofia Pop” busca a transdisciplinaridade, não a pluri, nem a interdisciplinaridade. Por pluridisciplinaridade entendo o estudo de um mesmo objeto por várias disciplinas, sem que haja conexão entre elas a não ser o objeto em comum. Interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais disciplinas, como por exemplo, na associação da Física com a Medicina. Mas muitas vezes essas associações acabam por resultar em uma nova disciplina, que sintetiza as características de áreas distintas, como por exemplo, a Medicina Nuclear ou a Geografia Cultural. A prática interdisciplinar tende a reafirmar o poder da disciplina. Na transdisciplinaridade não são formadas novas disciplinas, mas são realizadas alianças estratégicas e provisórias, que modificam cada uma das partes envolvidas e que produzem resultados inesperados. Trata-se muito mais de uma atitude do que de um campo definido. Acho importante ressaltar que a Filosofia costuma ser chamada para combater a fragmentação e a especialização dos saberes na academia, mas ela mesma, do jeito que vem sendo praticada nas universidades, parece sofrer dos mesmos problemas para os quais se vê solicitada a resolver. Basta observar a divisão atual entre a Filosofia analítica e a Filosofia continental nos nossos departamentos. Além disso, a produção em Filosofia revela uma crescente especialização. Profissionais dedicam toda sua vida ao estudo de apenas um autor, às vezes de apenas uma fase da vida desse autor. Essa superespecialização, essa erudição infinita, é valorizada e premiada na academia, interpretada como índice de um trabalho denso e rigoroso. Ao passo que aqueles que se dedicam a pesquisas mais temáticas, são por vezes acusados de falta de seriedade ou diletantismo.

É preciso conhecer a tradição filosófica para ultrapassá-la. Sou contra qualquer banalização da complexidade do pensamento

FILOSOFIA – Você aproxima a Filosofia de temas cotidianos, como o amor, a arte, a morte, e consegue usar, em seu livro Explicando a Filosofia com Arte, uma linguagem bem coloquial para explicar a visão filosófica a respeito de tais temas. Mas comenta na introdução do livro ser esta uma “seleção estratégica de alguns problemas filosóficos, entre muitos possíveis”. Existem questões filosóficas mais e menos “pops”?
Feitosa – No contexto do livro, a frase tinha apenas o sentido de avisar o leitor de que não se tratava de uma enciclopédia, em que todos os assuntos da Filosofia seriam esgotados. As questões da Filosofia não estão aí disponíveis em uma espécie de céu ou mar de problemas. Uma Filosofia híbrida se caracteriza por um desrespeito ao cânone tradicional de temas e autores da tradição. Para a “Filosofia Pop” pode ser muito importante investigar, por exemplo, a questão do poder no uso do controle remoto nas famílias urbanas contemporâneas. Essa investigação pode ser tão fértil quanto discutir as relações entre moralidade e eticidade na obra de Hegel. Não há questões mais ou menos filosóficas para a “Filosofia Pop”. Mas tudo depende também do modo como essas questões são tratadas. De nada adianta estudar filosoficamente a internet ou as mídias de massa partindo do pressuposto de que ali não há sabedoria alguma. Em vez de evitá-las, a academia precisa ocupar e reinventar as mídias e as tecnologias. Vale enfatizar que é preciso conhecer muito bem, de forma muito rigorosa, a tradição filosófica para ser capaz de ultrapassá-la. Sou contra qualquer simplificação ou reducionismo que banalize a complexidade do pensamento.

FILOSOFIA – A imagem aparece em seus estudos como sendo importante para explicar a Filosofia. Esta é uma estratégia para se adaptar ao mundo atual, que se tornou muito mais imagético e com pouca paciência para textos longos, ou o valor da imagem é atemporal na Filosofia e poderia ter sido usado em outras épocas? Como a imagem ajuda a compreender a Filosofia?
Feitosa – Existe na Filosofia uma tirania do conceito sobre a imagem. As imagens, especialmente as das artes, ou são negligenciadas ou são instrumentalizadas, forçadas a trabalhar em prol do a ver com o aparente excesso de imagens no mundo atual. Embora vivamos em um tempo em que em um minuto mais imagens são produzidas do que em todo o século passado, ainda não sabemos como lidar com elas. Em geral, tratamos logo de olhar para elas do mesmo modo como se lê um texto, buscando uma linearidade, um encadeamento causal. Essa incompetência imagética é muito antiga e só será superada com o questionamento das dicotomias hierárquicas que separam e opõem o invisível ao visível, o imaterial ao material, o sentido aos sentidos.

FILOSOFIA – A imagem aparece em seus estudos como sendo importante para explicar a Filosofia. Esta é uma estratégia para se adaptar ao mundo atual, que se tornou muito mais imagético e com pouca paciência para textos longos, ou o valor da imagem é atemporal na Filosofia e poderia ter sido usado em outras épocas? Como a imagem ajuda a compreender a Filosofia?
Feitosa – Existe na Filosofia uma tirania do conceito sobre a imagem. As imagens, especialmente as das artes, ou são negligenciadas ou são instrumentalizadas, forçadas a trabalhar em prol do movimento do conceito. A “Filosofia Pop” busca outros caminhos, deixando que os conceitos se guiem pelas imagens, mesmo que isso às vezes acarrete certa desorientação do pensamento. Nossa compreensão de mundo pode ser enriquecida por meio dessas desorientações. No entanto, essa estratégia nada tem a ver com o aparente excesso de imagens no mundo atual. Embora vivamos em um tempo em que em um minuto mais imagens são produzidas do que em todo o século passado, ainda não sabemos como lidar com elas. Em geral, tratamos logo de olhar para elas do mesmo modo como se lê um texto, buscando uma linearidade, um encadeamento causal. Essa incompetência imagética é muito antiga e só será superada com o questionamento das dicotomias hierárquicas que separam e opõem o invisível ao visível, o imaterial ao material, o sentido aos sentidos.

FILOSOFIA – Sua vida acadêmica, como pesquisador, é ligada ao teatro, à dança e às artes de forma geral. O que a Filosofia pode buscar na Arte?
Feitosa – A Filosofia costuma ter um grande preconceito em relação à Arte. Acredita-se que a experiência artística seja voltada prioritariamente, quando não exclusivamente, para o corpo, para a percepção sensorial, para os afetos. Não é à toa que a disciplina oficial que cuida desses temas se chama Estética (do grego aisthesis = “percepção sensível”). Tudo se passa como se não houvesse pensamento ou racionalidade nos sentidos e nos afetos e, consequentemente, nas obras de arte. Segundo Nietzsche, toda a história da Filosofia pode ser resumida como uma má interpretação do corpo. Isso talvez ajude a explicar essa má vontade da Filosofia em relação às artes e, em especial, às artes cênicas (dança, teatro, performance), em que o corpo do artista é a matéria da obra. Na dança, por exemplo, se mostra toda a inteligência do corpo. O homem só é capaz de dançar porque existe no modo de um corpo que pensa. Enquanto se dança o corpo não é uma “coisa extensa” cartesiana ou um instrumento da alma ou da mente, enquanto se dança não temos nem alma, nem mente. Gosto de dizer que dançar é uma das formas mais efetivas de superação da Metafísica.

FILOSOFIA – O senhor diz que há grande preconceito em relação às artes por imaginar-se que são exclusivamente ligadas a sentidos/afetos e não gozarem de racionalidade. Na aliança Filosofia-Arte, se buscaria a racionalidade existente na Arte ou outras formas de entender os sentidos/afetos? Que alianças podem ser essas entre Filosofia e Arte?
Feitosa – Nietzsche dizia tratar-se de um velho preconceito dos filósofos acreditar que toda música é música de sereias. A Arte é uma perigosa sedutora porque nasce e desperta afetos incontroláveis. Ora, todos sabem que a palavra “filosofia” já contém em si a ideia de um afeto, ainda que uma forma especial, chamada philía (amor, amizade). Minha questão é: por que a Filosofia não pode resgatar essa dimensão afetiva estruturante? Obviamente, por se tratar de um sentimento, o amor costuma ser associado mais à sensibilidade do que à reflexão. Essa concepção da Filosofia, purificada do corpo e de seus desejos, está presa a uma ontologia do humano como “animal racional”, quer dizer, um ser dividido entre duas partes estanques, a que pensa e a que sente, sendo que esta última seria a inferior. A Filosofia dos séculos XX e XXI (Heidegger, Merleau-Ponty, Deleuze, Derrida, Agamben, Flusser, entre outros) tem questionado essa imagem e proposto uma visão alternativa, em que fica demonstrado que, na existência humana, o pensamento está misturado e contaminado de maneira tão primordial com o sensível que não é mais lícito falar nem de mistura nem de contaminação. Contra a “dialética da pureza” e contra certa tendência da Filosofia tradicional para a anestesia (eliminação das percepções sensoriais e afetivas), impõe se não apenas reconhecer o copertencimento da percepção de sentido e dos sentidos, mas também praticá lo. Deixar o pensamento ser o que ele é: apaixonado, passivo, afetado. Nesse tipo de atitude, ficaria como que relativizada a rígida fronteira que separa a razão da sensibilidade e, consequentemente, enfraquecida qualquer fronteira rígida que delimita e separa a Arte da Filosofia. Permanece em aberto quais associações poderiam ser feitas entre Filosofia e Arte. Há de se tomar cuidado para que uma não use a outra apenas para a atestação de seus argumentos e projetos. Em todo caso, um tal pensar híbrido – sensível, sensual ou sensorial – me parece muito mais adequado ao modo finito como o ser humano existe no mundo. Um dos tópicos do curso que irá ministrar na Casa do Saber me deixou curiosa: “Por que os roqueiros gritam tanto?”. Irá usar essa pergunta para abordar que tema? O grito na arte sempre me fascinou, especialmente no rock, também chamado de scream music por alguns. Grita-se muito, seja de maneira harmônica e hipnotizante como nas canções do Led Zeppelin, seja de forma crua e agressiva como nos sons punks dos Sex Pistols. A pergunta “Por que se grita tanto no rock?” tem a intenção de refletir sobre as possíveis funções estéticas do grito nas artes contemporâneas em geral. Em última instância, estou interessado também em uma reabilitação ontológica da materialidade da voz humana, eclipsada pela nossa insistência em prestar atenção apenas ao que é dito (o sentido) e não aos múltiplos modos como o corpo se diz.

FOTOS: Silvia Costanti
“Para a ‘Filosofia Pop’ pode ser muito importante investigar a questão do uso do controle remoto nas famílias, o que pode ser tão fértil quanto discutir as relações entre moralidade e eticidade na obra de Hegel. Não há questões mais ou menos filosóficas para a ‘Filosofia Pop'”

Por Patricía Pereira via Portal Ciência e Vida – Revista Filosofia

Jovens vão às ruas e nos mostram que desaprendemos a sonhar

O fundamental não é lutar pelo direito de fumar maconha em paz na sala da sua casa. O fundamental não é o direito de andar vestida como uma vadia sem ser agredida por machos boçais que acham que têm esse direito porque você está “disponível”. O fundamental não é garantir a opção de um aborto assistido para as mulheres que foram vítimas de estupro ou que correm risco de vida. O fundamental não é impedir que a internação compulsória de usuários de drogas se transforme em ferramenta de uma política de higienismo social e eliminação estética do que enfeia a cidade. O fundamental não é lutar contra a venda da pena de morte e da redução da maioridade penal como soluções finais para a violência. O fundamental não é esculachar os torturadores impunes da ditadura. O fundamental não é garantir aos indígenas remanescentes o direito à demarcação das suas reservas de terras. O fundamental não é o aumento de 20 centavos num transporte público que fica a cada dia mais lotado e precário.

O fundamental é que estamos vivendo uma brutal ofensiva do pensamento conservador, que coloca em risco muitas décadas de conquistas civilizatórias da sociedade brasileira.

O fundamental é que sob o manto protetor do “crescimento com redução das desigualdades” fermenta um modelo social que reproduz – agora em escala socialmente ampliada – o que há de pior na sociedade de consumo, individualista ao extremo, competitiva, ostentatória e sem nenhum espaço para a solidariedade.

O fundamental é que a modesta redução da nossa brutal desigualdade social ainda não veio acompanhada por uma esperada redução da violência e da criminalidade, muito pelo contrário. E não há projeto nacional de combate à violência que fuja do discurso meramente repressivo ou da elegia à truculência policial.

O fundamental é que a democratização do acesso ao ensino básico e à universidade por vezes deixam de ser um instrumento de iluminação e arejamento dos indivíduos e da própria sociedade, e são reduzidos a uma promessa de escada para a ascensão social via títulos e diplomas, ao som de sertanejo universitário.

O fundamental é que os políticos e grandes partidos antigamente ditos “libertários” e “de esquerda” hoje abriram mão de disputar ideologicamente os corações e mentes dos jovens e dos novos “incluídos sociais” e se contentam em garantir a fidelidade dos seus votos nas urnas, a cada dois anos.

O fundamental é que os políticos e grandes partidos antigamente ditos “sociais-democratas” já não tem nada a oferecer à juventude além de um neo-udenismo moralista que flerta desavergonhadamente com o autoritarismo e o fascismo mais desbragados.
O fundamental é que a promessa da militância verde e ecológica vai aos poucos rendendo-se aos balcões de negócio da velha política partidária ou ao marketing politicamente correto das grandes corporações.

O fundamental é que os sindicatos, movimentos populares e organizações estudantis estão entregues a um processo de burocratização, aparelhamento e defesa de interesses paroquiais que os torna refratários a uma participação dinâmica, entusiasmada e libertária.

O fundamental é que temos em São Paulo um governo estadual que é francamente conservador e repressivo, ao lado de um governo federal que é supostamente “progressista de coalizão”. Mas entre a causa da liberação da maconha e defesa da internação compulsória, ambos escolhem a internação. Entre as prostitutas e a hipocrisia, ambos ficam com a hipocrisia. Entre os índios e os agronegócio, ambos aliam-se aos ruralistas. Entre a velha imprensa embolorada e a efervescência libertária da Internet, ambos namoram com a velha mídia. Entre o estado laico e os votos da bancada evangélica, ambos contemporizam com o Malafaia. Entre Jean Willys e Feliciano, ambos ficam em cima do muro, calculando quem pode lhes render mais votos.

O fundamental é que o temor covarde em expor à luz os crimes e julgar os aqueles agentes de estado que torturaram e mataram durante da ditadura acabou conferindo legitimidade a auto-anistia imposta pelos militares, muitos dos quais hoje se orgulham publicamente dos seus crimes bárbaros – o que nos leva a crer que voltarão a cometê-los se lhes for dada nova oportunidade.

O fundamental é que vivemos numa sociedade que (para usar dois termos anacrônicos) vai ficando cada vez mais bunda-mole e careta. Assustadoramente careta na política, nos costumes e nas liberdades individuais se comparada com os sonhos libertários dos anos 1960, ou mesmo com as esperanças democráticas dos anos 1980. Vivemos uma grande ofensiva do coxismo: conservador nas ideias, conformado no dia-a-dia, revoltadinho no trânsito engarrafado e no teclado do Facebook.

O fundamental é que nenhum grupo político no poder ou fora dele tem hoje qualquer nível mínimo de interlocução com uma parte enorme da molecada – seja nas universidades ou nas periferias – que não se conforma com a falta de perspectivas minimamente interessantes dentro dessa sociedade cada vez mais bundona, careta e medíocre.

Os mesmos indignados que se esgoelam no mundo virtual clamando que a juventude e os estudantes “se levantem” contra o governo e a inação da sociedade, são os primeiros a pedir que a tropa de choque baixe a borracha nos “vagabundos” quando eles fecham a 23 de Maio e atrapalham o deslocamento dos seus SUVs rumo à happy-hour nos Jardins.

Acuados, os políticos “de esquerda” se horrorizam com as cenas de sacos de lixo pegando fogo no meio da rua e se apressam a condenar na TV os atos de “vandalismo”, pois morrem de medo que essas fogueiras causem pavor em uma classe média cada vez mais conservadora e isso possa lhes custar preciosos votos na próxima eleição.

Enquanto isso a molecada, no seu saudável inconformismo, vai para as ruas defender – FUNDAMENTALMENTE – o seu direito de sonhar com um mundo diferente. Um mundo onde o ensino, os trens e os ônibus sejam de qualidade e gratuitos para quem deles precisa. Onde os cidadãos tenham autonomia de decidir sobre o que devem e o que não devem fumar ou beber. Onde os índios possam nos mostrar que existem outros modos de vida possíveis nesse planeta, fora da lógica do agribusiness e das safras recordes. Onde crenças e religião sejam assunto de foro íntimo, e não políticas de Estado. Onde cada um possa decidir livremente com quem prefere trepar, casar e compartilhar (ou não) a criação dos filhos. Onde o conceito de Democracia não se resuma à obrigação de digitar meia dúzia de números nas urnas eletrônicas a cada dois anos.

Sempre vai haver quem prefira como modelo de estudante exemplar aquele sujeito valoroso que trabalha na firma das 8 da manhã às 6 da tarde, pega sem reclamar o metrô lotado, encara mais quatro horas de aulas meia-boca numa sala cheia de alunos sonolentos em busca de um canudo de papel, volta para casa dos pais tarde da noite para jantar, dormir e sonhar com um cargo de gerente e um apartamento com varanda gourmet.

Não é meu caso. Não tenho nem sombra de dúvida de que prefiro esses inconformados que atrapalham o trânsito e jogam pedra na polícia. Ainda que eles nos pareçam filhinhos-de-papai, ingênuos em seus sonhos, utópicos em suas propostas, politicamente manobráveis em suas reivindicações, irresponsavelmente seduzidos pelos provocadores de sempre.

Desde a Antiguidade, esses jovens ingênuos e irresponsáveis são o sal da terra, a luz do sol que impede que a humanidade apodreça no bolor da mediocridade, na inércia do conformismo, na falta de sentido do consumismo ostentatório, nas milenares pilantragens travestidas de iluminação espiritual.

Esses moleques que tomam as ruas e dão a cara para bater incomodam porque quebram vidros, depredam ônibus e paralisam o trânsito. Mas incomodam muito mais porque nos obrigam a olhar para dentro das nossas próprias vidas e, nessa hora, descobrimos que desaprendemos a sonhar.

Via Blog do Luis Nassif

Sobre o protesto do aumento da tarifa

No último dia 6 (quinta-feira) eu fui na manifestação, organizada pelo Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento da tarifa dos transportes públicos (ônibus, metrô e trem). Em meio a tantas críticas que ouço, tanto pessoalmente quanto nas redes sociais de que “não vai dar em nada” e “é perda de tempo”, resolvi, tanto na qualidade de pesquisador e estudante quanto na de cidadão, fazer aquilo que Malinowski chamava seu trabalho de “observação participante”, afinal, eu também uso transporte público e me sinto lesado diante dos progressivos aumentos tarifários nos últimos anos.

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Apesar de ter sido um evento presenciado em sua maioria por jovens e estudantes, muitos transeuntes, de todas as idades davam-nos apoio, outros se juntavam a nós (esse é um problema que atinge não só os estudantes, mas os trabalhadores inclusive). Ou seja, o transporte público é algo essencial, sobretudo em uma metrópole como São Paulo e o aumento na tarifa, não condizendo com a qualidade prestada pelas administradoras, deflagrava a inconformidade estampada no rosto de cada um que estava marchando.

A reação de algumas pessoas, depredando e pichando ônibus, além de estabelecimentos, apesar de eu não concordar, entendo como compreensível, pois muitos dos que ali estavam (inclusive quem vos fala), advém da periferia, onde por diversas vezes enfrentamos ônibus superlotados, trânsito caótico para trabalhar, ou para o lazer (quando há tempo). Em muitos casos, a própria viagem é mais estressante e cansativa do que o próprio trabalho.

Por outro lado, mais uma vez vimos a força desmedida da polícia. As já conhecidas técnicas de “controle” e “manutenção da ordem” são postas como prioridade no lugar do diálogo. A pequena destruição que se seguiu no meu entendimento foi resultado exatamente dessa força aplicada. Da 9 de Julho até a Av. Paulista o que se seguiu foi uma confusão na qual tivemos que nos dispersar temporariamente.

Mesmo com todo esse aparato de coerção, o que presenciei foi uma vontade de mudança nos manifestantes; a indignação foi a tônica do protesto e por mais que o resultado não seja o esperado, de todo não será negativo. De alguma forma, a semente da revolta foi plantada; e ela está nas redes sociais, no noticiário, na boca das pessoas. Cabe a elas decidirem o que fazer: se apenas criticar e dizer que nunca dará em nada e nem uma opção viável sugerir ou apoiar a causa e dar a sua contribuição, seja ela qual for. Dia 11 terá um novo episódio.

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Anthony Cardoso

Homem – nada

Baseado em Nowhere Man – The Beatles

Homem nada

Grande homem nada

O que você faz?

O nada

 

Como você se formou

Por que não mudou?

Onde se atualizou?

Em nada

 

Tu tens o poder

Mas não sabe exercer

Seu grupo pode querer

“Não, prefiro o nada”

 

Chego em casa

A novela passa

Um ladrão seu telhado trespassa

O que penso: “nada”

 

A tarifa aumenta

Impostos altos você aguenta

Um moribundo passa mal

Em um leito enferrujado no hospital

(Pra não dar em nada)

 

Homem-nada!

O mundo está na sua mão!

Não deixe isso ser em vão

“Pra quê? Não vai dar em nada”

 

No fechar das cortinas

Aparecem vestidas

Elas, eu e você

No grande espetáculo do nada!

 

Anthony Cardoso