Que fim levam os jovens escritores?

Marcos Peres em Jornal Rascunho

Acredito que, comigo, o processo foi mais ou menos comum: uma vontade crescente de deixar minha marca em guardanapos de confeitaria, em cadernos escolares, em processadores de texto. O desejo que o escrito tivesse leitores foi posterior, formado aos trancos, junto com a personalidade, leituras e algumas decepções. A ponte entre a primeira e segunda premissa foi a grande inquietação do que a jornada e as agruras de ser um “jovem escritor” me exigiam.

Não tive sucesso com blogs. Nunca consegui encampar as funções de revisor, crítico, fã e publicitário de meu próprio texto. Impelido também por timidez, meu voo mais alto nos primórdios da internet foi creditar um conto — meu — ao Garcia Márquez, repassando-o aos contatos do e-mail. Com isso, recebi três respostas de amigos que não leram e, mesmo assim, não se furtaram a atestar a genialidade do autor. Antes das redes sociais, da proliferação de apócrifos do Caio Fernando Abreu, roubei-me para tentar fugir da invisibilidade de ser um jovem escritor. Perdão, Gabo.

Desisti da internet e, à moda antiga, mandei um calhamaço para uma editora; meses depois, recebi a carta-negativa, com uma curiosidade: meu nome e o título do livro tinham formatação diferente do restante da carta. Compreendi que a resposta seria destinada a outros e que, em todos os casos, denotar-se-ia apenas uma briga já perdida antes mesmo de entrar no ringue: caro senhor Franz. Em que pese as qualidades de seu romance O Castelo, o mesmo não se encontra alinhavado com as diretrizes que norteiam esta editora. Esta era a kafkiana resposta. E, aqui, não pretendo endossar o simplório maniqueísmo de que as editoras, vilãs, recusam-se a publicar os mocinhos, os jovens escritores. Fica apenas o relato que talvez, entre o oceano de originais, alguns bons frutos podem passar despercebidos.

Frustrado com editoras, sem sucesso na internet, decidi participar de um concurso para inéditos. E, que não se enganem, entre começar a escrever e a decisão de participar de um concurso, passaram-se dez anos — sem perspectiva, sem leitores, sem ecos (a não ser o que recebi quando me fantasiei de Gabo). O que me mantinha firme, desculpem o clichê, era o amor à literatura. Calhou que o Evangelho segundo Hitler teve a sorte de cair nas mãos de jurados favoráveis, e venci o prêmio Sesc de Literatura. A alcunha de escritor caiu-me no colo de um dia para o outro, junto a outras pechas — que sempre reagi bem-humorado — como ateu ou nazista. Saí do armário atulhado de papéis e tive de explicar para chefes, colegas e tias na noite de natal que, sim, eu era um ficcionista e que, sim, Evangelho e Hitler estavam inseridos no contexto louco que é ser “ficcionista”.

Enquanto acabo de passar por outra barreira (a publicação do segundo romance), percebo já outros muros, outras agruras. Olho também para uma frase de Borges em O Aleph (o labor do escritor é feito de dois báculos: trabalho e solidão) e vejo que o conselho continua atual. E prevejo que, na solidão de muitos ignotos pen-drives, no invisível trabalho de jovens escritores Brasil afora, a luta da literatura é travada constantemente. Uma luta que acontece agora. Com sangue. E com tinta.

Marcos Peres é escritor. Venceu os Prêmios SESC de Literatura 2012/2013 e o São Paulo de Literatura com o romance O Evangelho segundo Hitler. Vive em Maringá (PR).