Por que a carreira docente não é atraente?

Nesta segunda-feira (15/10), Dia do Professor, o IG publica uma reportagem interessante, de Priscila Borges, a respeito da carreira docente, cujo título é: ”Salários baixos provocam fuga de professores da carreira”. A matéria traz depoimentos de profissionais de ensino e links relacionados ao tema.

No geral, o texto de Priscila é bem elaborado e informativo. No entanto, deixou de lado aspectos fundamentais que envolvem os profissionais de ensino, ou seja, situações que vão além de salários. Melhor dizendo: a questão salarial é apenas a ponta do imenso iceberg dos problemas e desafios da educação. É preciso trazer à tona os obstáculos e os conflitos – da carreira do magistério – para que a sociedade saiba e compreenda, em profundidade, o que vem acontecendo.

Por sua vez, a repórter tem razão ao afirmar que a baixa remuneração é desestímulo para os novos talentos. Saldo: faltam profissionais de ensino, em todo o país, para lecionar as diversas disciplinas. A cada ano que passa, muitos alunos terminam o ano letivo sem ter assistido uma única aula de algumas matérias.

A verdade é que a maioria dos docentes são obrigados a sobreviver com um salário insuficiente para suas despesas e manutenção digna de sua família. Por essa razão, muitos trabalham em até quatro escolas. Ante essa condição desfavorável, os professores não podem comprar revistas, jornais, livros e não se atualizam. Há muitos que não possuem um computador. Ainda assim, infelizmente, existem políticos e burocratas de educação, que compartilham da ideia que o profissional não precisa de boa remuneração para poder desenvolver um bom trabalho e sobreviver.

Violência Escolar

Quem conhece, de perto, o cotidiano da escola, sabe que educação envolve questões profundas e variáveis complexas. Por exemplo, a questão da violência. Na maioria das vezes, é ocultada. Professores e alunos são as maiores vítimas. O problema não para por aí. Em classe, o professor percebe, claramente, o comportamento agressivo de seu aluno. Essa agressividade é o reflexo das dificuldades vividas pelas famílias. Entre elas, o alcoolismo, o drama do desemprego, o consumo de alucinógenos e a desestruturação familiar.

De outro lado, nem sempre, os professores são respeitados pelos gestores – há exceções – pelos alunos e pelos responsáveis. Muitas famílias não assumem suas obrigações. Querem que a escola eduque seus filhos. Assim, o profissional tem de lidar, diariamente, com crianças e jovens sem limite. Há casos de alunos que se sentem ofendidos quando o professor chama sua atenção. Isso é pretexto para ameaça de morte. Outra situação recorrente e perigosa: alguns alunos não aceitam a nota que obtiveram nas avaliações.

Pois bem! É na sala de aula que o professor é aviltado mais ainda. Desse jeito, acaba se tornando mero figurante. Muitos se sentem isolados e impotentes no exercício da função. Há diretores que, diante dessa e outras situações, preferem fingir que tudo está bem. Dessa forma, não resolvem os casos mais graves de violência. É comum, também, o gestor criticar a maneira como o docente desenvolve o seu trabalho em sala, porém, o mesmo inadmite opinião desfavorável ao seu trabalho. Em retaliação, o educador passa sofrer assédio moral do gestor.

Diante da dificuldade de lidar com um cotidiano violento, situações estressantes e problemas de difícil resolução, muitos educadores se afastam do trabalho. Em maioria, depois de certo tempo, passam a apresentar sintomas de depressão e transtorno ansioso.  Leitor, em sua opinião, por que os mestres faltam muito ao trabalho?

Mídia e Discurso Oficial

Quanto a grande mídia, lamentavelmente, está ao lado do poder. Do discurso oficial. Sua postura revela uma verdadeira apatia e total desinteresse em relação aos problemas da escola pública. Tem mais, é comum a mídia responsabilizar os professores pelo fracasso escolar. Outro inconveniente muito usado pela mídia é o de responsabilizar os docentes como os maiores vilões da educação.

Um bom exemplo disso é a forma como a construção da notícia é feita em relação à escola. A informação é veiculada de forma maldosa e sensacionalista. Quem não se lembra da Escola de Base? Em 1994, os donos da Escola de Base, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, um pai de um estudante e o motorista da perua escolar foram acusados de abusarem sexualmente dos alunos. As denúncias eram infundadas. Na realidade, a mídia deixa de cumprir o seu papel que é de informar quem está do outro lado da tela. Por que isso acontece? Porque vivemos num país de nível cultural baixo. Dessa forma, a mídia eletrônica reina soberana. Comete abusos e transgressões terríveis.

Dessa forma, perante a sociedade civil, os educadores são malvistos. Quanto aos governantes permanecem em berço esplêndido. Não pesam sobre eles críticas desfavoráveis. Afinal de contas, contam com as benesses do poder e a bajulação de boa parte da mídia. É uma troca de interesses. É por isso que não sofrem críticas e deixam de ser cobrados por tudo o que deixam de fazer. É como afirma Eugênio Bucci: ”Pois fora da crítica não há saída”.

Outra coisa: a mídia deveria ouvir os professores e deixar que falem. Não há canais de comunicação para que haja interação com a sociedade. Os profissionais de ensino não podem ser abandonados ao descaso, aliás, necessitam de apoio, da sociedade civil e demais instituições organizadas, para que possam fazer um bom trabalho.

Não é novidade que, prefeitos e governadores, tratam os docentes com total desprezo. Afinal, educação não tem o devido valor e não é prioridade, de fato, neste país. Se fosse, não teríamos chegado ao ponto que estamos. Um exemplo: muitos prefeitos e governadores se negam a pagar o Piso Nacional do Magistério (de R$ 1.451), que é referente à jornada de 40 horas semanais. Exceto os compromissados com a educação, não resta dúvida que os políticos são os maiores adversários da educação pública neste país. Não serve como justificativa, portanto, o argumento de que falta dinheiro para o pagamento do piso.

Educação de Qualidade                                            

Uma boa escola pública não é utopia. É possível.  É mais que giz e lousa. É preciso também: ambiente seguro, salas de informática, boas condições pessoais para os profissionais, fim da promoção automática, cursos de qualificação para os docentes, bons salários, envolvimento dos responsáveis, recursos didáticos e investimento do poder público. Sem isso, seguramente, não teremos qualidade.

Então, por que a educação – em boa parte da rede pública – não funciona neste país? Certamente, está claro para o leitor que são muitos os obstáculos. Eles são a somatória de questões que abordamos no texto e outras mais. Entre eles, citamos: salário baixo, indisciplina, violência, estresse causado por excesso de ruído na classe, vandalismo escolar, péssimas condições de trabalho, desinteresse dos pais e discentes pelo aprendizado, ambiente inseguro, salas superlotadas, ausência de plano de carreira e gestão antidemocrática. Por outro lado, não devemos nos iludir e imaginar que na escola particular não existe problema. Que tudo é perfeito. Na realidade, o educador enfrenta dificuldades e desafios semelhantes aos da escola pública.

Por fim, há quem diga que a educação pública pode mudar e melhorar se os diversos atores – governantes, professores, pais, sociedade civil, Ministério Público e a mídia – fizerem uma parceria. Do contrário, sem o envolvimento efetivo de todos, vamos continuar assistindo a triste tragédia anunciada que se encontra a educação brasileira. Finalmente, quem se interessa pela educação pública e seus desafios, vale a pena assistir o filme: ”Carregadoras de Sonhos”.

Ricardo Santos é professor de história e jornalista

Russomanno e o Estado laico: controvérsias na prática

As eleições para prefeito estão chegando e a peculiaridade nesse ano é a ascensão de Celso Russomanno (PRB) ao primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Segundo alguns eleitores, a escolha de Russomanno se deve a imagem do candidato “novo”, que ajuda os pobres, justamente pelo seu histórico: nos anos 90, o candidato foi repórter do Aqui e Agora do SBT, veiculando reportagens sobre defesa do consumidor e, de fato, muitos casos foram solucionados devido a sua intervenção. Ou seja: caso Russomanno seja eleito, sua vitória estará ligada a uma espécie de retribuição do eleitorado paulistano.

Porém, o que os eleitores deixam em segundo plano é o que vêm ocorrendo em mais um capítulo da nossa história política brasileira: a influência da religião pelos meandros das eleições em nossa democracia. Russomanno já admitiu o apoio da IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) como também, o apoio da Igreja Assembleia de Deus, das igrejas católicas, além de “um monte de igrejas”, conforme veiculado em reportagem do portal Terra, que pode ser visualizado aqui. Desse número, a igreja católica, mais especificamente a Arquidiocese de São Paulo recentemente desmentiu a afirmação de Russomanno. Com uma nota divulgada na sexta-feira, dom Odilio Scherer criticou a aliança do candidato com a IURD e provocou: “Se já fomentam discórdia, ataques e ofensas sem o poder, o que esperar se o conquistarem pelo voto? É para pensar”.

A corrida dos candidatos por votos “religiosos” (principalmente daqueles que frequentam igrejas de tendência pentecostal e neo-pentecostal) nos últimos anos tem se tornado prática recorrente. A característica mercadológica e motivacional das igrejas evangélicas atualmente é importante para a busca por fiéis e a difusão pelos meios de comunicação é uma ferramenta decisiva que seria prejudicada caso um mandatário proibisse tais práticas.

A liberdade religiosa é importante, pois reflete uma das faces da democracia em sua estruturação, porém, a leitura que os dois lados – tanto os líderes religiosos quanto os fiéis – fazem da política é errônea e tendenciosa. O voto do eleitor é utilizado para galgar o candidato ao posto de seu representante e o mandato como concretização das propostas prometidas, para uma perspectiva futura, não como gratidão a um passado limitado a poucas pessoas. Além disso, a figura do Estado laico desaparece mediante a religiosidade da política.

Anthony Cardoso

“Não é crise. É que não te quero mais”

Manuel Castells diz que, diante das novas turbulências financeiras, é preciso propor grandes mudanças — entre elas, reinvenção da democracia

Por Manuel CastellsLa Vangardia | Tradução Cauê Seigner Ameni

Quando milhares de [jovens] indignados, [que ocuparam as praças da Espanha], tiram de foco a “crise” e atacam diretamente o sistema que produz tantos desarranjos, estão sustentando algo importante. Querem dizer que é preciso ir à raiz dos problemas, olhar para suas causas. Porque se elas persistirem, continuarão produzindo as mesmas consequências.

Mas de que sistema falamos? Muitos diriam capitalismo, mais é algo pouco útil: há muitos capitalismos. Precisamos analisar o que vivemos como crise para entender que não se trata de uma patologia do sistema,mas do resultado deste capitalismo. Além disso, a critica se estende à gestão política. E surge no contexto de uma Europa desequilibrada por um sistema financeiro destrutivo que provoca a crise do euro e suscita a desunião europeia.

Nas ultimas décadas, constituiu-se um capitalismo global, dominado por instituições financeiras (os bancos são apenas uma parte) que vivem de produzir dívida e ganhar com ela. Para aumentar seus lucros, as instituições financeiras criam capital virtual por meio dos chamados “derivativos” [ou, basicamente, apostas na evolução futura de todo tipo de preço]. Emprestam umas às outras, aumentando o capital circulante e, portanto, os juros [e comissões] a receber. Em média, os bancos dispõem, nos Estados Unidos ou na Europa, de apenas 3% do capital que devem ao público. Se este percentual chega a 5%, são considerados solventes, [em boa saúde financeira]. Enquanto isso, 95% [do dinheiro dos depositantes] não está disponível: alimenta incessantemente operações que envolvem múltiplos credores e devedores, que estabelecem relações num mercado volátil, em grande parte desregulado.

Diz-se que umas transações compensam umas às outras e o risco se dilui. Para cobrir os riscos, há os seguros – mas as seguradoras também emprestam o capital que deveriam reservar para fazer frente a sinistros. Ainda assim, permanecem tranquilos, porque supõem que, em ultima estancia, o Estado (ou seja, nós) vai salvá-los das dívidas – desde que sejam grandes o suficiente [para ameaçar toda a economia]… O efeito perverso deste sistema, operado por redes de computadores mediadas por modelos matemáticos sofisticados, é: quanto menos garantias tiverem, mais rentáveis (para as instituições financeiras e seus dirigentes) as operações serão. E aqui entra outro fator: o modelo consumista que busca o sentido da vida comprando-a em prestações….

Como o maior investimento das pessoas são suas próprias casas, o mercado hipotecário (alimentado por juros reais negativos) criou um paraíso artificial. Estimulou uma industria imobiliária especulativa e desmesurada, predadora do meio ambiente, que se alimenta de trabalhadores imigrantes e dinheiro emprestado a baixo custo. Diante de tal facilidade, poucos empreendedores apostaram em inovações. Mesmo empresas de desenvolvimento tecnológico, grandes ou pequenas, passaram a buscar a autovalorização no mercado financeiro, ao invés de inovar. O que importava não eram as habilidades e virtudes da empresa, mas seu valor no mercado de capitais. O que muitos “inovadores” desejavam, na verdade, é que sua empresa fosse comprada por uma maior. A chave desta piramide especulativa era o entrelaçamento de toda essa divida: os passivos se convertiam em ativos para garantir outros empréstimos. Quando os empréstimos não puderam mais ser pagos, começou a insolvência de empresas e pessoas. As quebras propagaram-se em cadeia, até chegar no coração do sistema: as grandes seguradoras.

Diante do perigo do colapso de todo o sistema, os governos salvaram bancos e demais instituições financeiras.

Quando secou o credito às empresas, a crise financeira converteu-se em crise industrial e de emprego. Os governos assumiram o custo de evitar o desemprego em massa e tentar reanimar a economia moribunda. Como pagar a conta? Aumentar os impostos não dá votos. Por isso, recorreram aos próprios mercados financeiros, aumentando sua já elevada dívida pública. Quanto mais especulativas eram as economias (Grécia, Irlanda, Portugal, Itália, Espanha) e quanto mais os governos pensavam apenas no curto prazo, maior eram o gasto público e o aumento da dívida. Como ela estava lastreada por uma modea forte – o euro –, os mercados continuaram emprestando. Contavam com a força e o crédito da União Europeia. O resultado foi uma crise financeira de vários Estados, ameaçados de falência. Esta crise fiscal converteu-se, em seguida, numa nova crise financeira: porque colocou em perigo o euro e aumentou o risco de países suspeitos de futura insolvência.

Mas quem quebraria, se fossem à falência os países em condições financeiras mais precárias, eram os bancos alemães e franceses. Para salvar tais bancos, era, portanto, preciso resgatar os países devedores. A condição foi impor cortes nos gastos dos Estados e a redução de empregos em empresas e no setor público. Muitos países – incluindo a Espanha – perderam sua soberania econômica. Assim chegaram as ondas de demissões, o aumento do desemprego, a redução de salários e os cortes nos serviços sociais. Coexistem com lucros recordes para o setor financeiro. Claro que alguns bancos perderam muito, e terão de sofrer intervenção do Estado – para serem, em seguida, reprivatizados. Por isso, os “indignados” afirmam que o sistema não está em crise. O capital financeiro continua ganhadondo, e transfere os prejuízos à sociedade e aos Estados. Assim se disciplinam os sindicatos e os cidadãos. Assim, a crise das finanças torna-se crise política.

Por que a outra característica-chave do sistema não é econômica, mas política. Trata-se da ruptura do vinculo entre cidadão e governantes. “Não nos representam”, dizem muitos. Os partidos vivem entre si e para si. A classe política tornou-se uma casta que compartilha o interesse comum de manter o poder dividido entre si mesma, através de um mercado político-midiatico que se renova a cada quatro anos. Auto-absolvendo-se da corrupção e dos abusos, já que tem o poder de designar a cúpula do Poder Judiciário.

Protegido desta forma, o poder Político, pactua com os outros dois poderes: o Financeiro e o Midiático, que estão profundamente imbricados. Enquanto a dívida econômica puder ser rolada, e a comunicação controlada, as pessoas tocarão suas vidas passivamente. Esse é o sistema. Por isso, acreditavam-se invencíveis. Até que a surgiu a comunicação autônoma e as pessoas, juntas, perderam o medo e se indignaram. Adonde ván? Cada um tem sua ideia, mas há temas em comuns. Que os bancos paguem a crise. Controle sobre os políticos. Internet livre. Uma economia da criatividade e um modo de vida sustentável. E, sobretudo, reinventar a democracia, a partir de valores como participação, transparência e prestação de contas aos cidadãos. Porque como dizia um cartaz dos indignados: “Não é que estamos em crise.Es que ya no te quiero”.

Via Outras Palavras