50 filmes para ver e entender os anos da ditadura no Brasil.

Na data de ontem, 31 de março, completaram-se 57 anos do fatídico momento em que os militares, juntamente com apoio de boa camada da população, políticos saudosos dos tempos do Estado Novo e com resquícios de integralismo, além de setores da mídia deram um golpe e iniciaram um período sombrio do nosso país. Existem outras correntes alegando que o golpe deu-se no dia 1° de abril. Sim, isso mesmo, no dia da mentira. Como esse registro na história com certeza soaria como uma piada sem graça, fizeram questão de colocar o dia anterior como data marcante desse movimento. Você pode acompanhar essa teoria do 1° abril aqui, no antigo blog do Mario Magalhães, biógrafo de Carlos Marighella.

Sempre quando essa data se aproxima, ouvimos vozes que repetem constantemente para “não esquecermos desse período”. Mas o que mais acontece nos últimos anos, graças em parte às chamadas fake news, graças a pessoas muito mal-intencionadas é exatamente o contrário: se lembram muito bem que fazem questão de saudar e homenagear a ditadura civil-militar, chamando-a de “revolução”, dizendo que “naquela época não havia corrupção”, “não havia mendigos”, entre outros absurdos.

Dado o momento em que elegemos um facínora na presidência da república, declarado fã de Ustra e do regime militar, que de tempos em tempos faz questão de ameaçar a já tão fragilizada democracia brasileira com declarações contra as nossas instituições, além de claramente defender o alastramento do vírus da Covid, resultando em vidas perdidas, mais do que nunca faz-se necessário difundir a mensagem do que realmente foi o período da ditadura militar, ocorrida entre 1964 e 1985. E para isso, o cinema teve um papel importante nessa disseminação.

Para isso, separei aqui 50 obras, brasileiras e estrangeiras, a grande maioria disponível no YouTube. Espero que aproveitem.

1. O desafio (1965), Paulo César Sarraceni
(3) O desafio. – YouTube

2. Manhã cinzenta (1968), Olney São Paulo
(3) Manhã Cinzenta (1969) de Olney São Paulo – YouTube

3. Brazil: A Report on Torture (1971), de Haskell Wexler e Saul Landau.
(3) Brazil, a Report on Torture (1971) COMPLETO! – YouTube

4. O Bom Burguês (1979), Oswaldo Caldeira (Trailer)
(3) Christiane Torloni, O Bom Burguês, filme. – YouTube

5. Paula: a história de uma subversiva (1979), F. Ramalho Jr.
(3) Paula: a história de uma subversiva – YouTube

6. Eles Não Usam Black-Tie (1981), Leon Hirszman
(3) Eles não Usam Black-tie – YouTube

7. Pra frente, Brasil (1982), Roberto Farias
(3) (1964-1985) Pra Frente, Brasil – 1982 – Roberto Farias – YouTube

8. Cabra marcado para morrer (1984), Eduardo Coutinho
(3) Cabra Marcado Para Morrer – Eduardo Coutinho (1984) – YouTube

9. Nunca Fomos tão Felizes (1984), Murilo Sales
http://www.youtube.com/watch?v=IPAAa8uMrps

10. Jango (1984), Silvio Tendler
(3) Jango – O Filme – YouTube

11. Que Bom Te Ver Viva (1989,), Lucia Murat
(3) Que Bom te Ver Viva (1989) – YouTube

12. Kuarup (1989), Ruy Guerra
https://www.youtube.com/watch?v=ByISRJPjo18

13. Corpo em Delito (1990), Nuno César Abreu
(3) Corpo em Delito – YouTube

14. ABC da greve (1990), Leon Hirszman
(3) 1979/90 ABC da Greve Leon Hirzman – YouTube

15. Lamarca (1994), Sérgio Resende
(3) Lamarca (1994) – YouTube

16. O Que É Isso, Companheiro? (1997), Bruno Barreto
(3) O Que É Isso Companheiro? | Filme Completo – YouTube

17. Ação Entre Amigos (1998), Beto Brant

(3) Ação Entre Amigos – 1998 – YouTube

18. Dois Córregos (1998), Carlos Reichenbach
(3) Dois Corregos – Verdades Submersas No Tempo – YouTube

19. Barra 68 Sem Perder a Ternura (2001), Vladimir Carvalho.
(3) Barra 68 – Sem Perder a Ternura – YouTube

20. Cabra cega (2004), Toni Ventura
(3) Cabra cega – YouTube

21. Araguaya :a Conspiração do Silêncio (2004) Ronaldo Duque
(3) Araguaya conspiração do silêncio. – YouTube

22. Quase dois irmãos (2004) Lúcia Murat
(3) Quase Dois Irmãos -assistir filme completo dublado em portugues – YouTube

23. Memórias clandestinas (2004), Maria Thereza Azevedo
(3) Memórias Clandestinas (documentário) – YouTube

24. Peões (2004), Eduardo Coutinho
(3) Peões – YouTube

25.Memória política: Vera Silva Magalhães (2004), TV Câmara
(3) Memoria politica VERA SYLVIA MAGALHAES – YouTube

26. Tempo de resistência (2005), André Ristun
(3) (A.H.F) Tempo de Resistência – YouTube

27. Vlado: 30 anos depois (2005), João Batista de Andrade
(3) (A.H.F) Vlado – 30 anos depois – YouTube

28. O ano em que meus pais saíram de férias (2006), Cao Hamburguer
(3) O Ano em que meus Pais Saíram De Férias – YouTube

29. Zuzu Angel (2006), Sérgio Resende
(3) ZUZU ANGEL Assistir Filme Completo Dublado 2014 Lançamento Açao – YouTube

30. Hércules 56 (2006), Silvio Da-Rin
(3) Hércules 56 – YouTube

31. Batismo de sangue (2007), Helvécio Ratton
(3) Batismo de Sangue – Cine Revolução (TV ENGRENAGEM) – YouTube

32. Brizola: Tempos de luta (2007), Tabajara Ruas
(3) Documentário: BRIZOLA – Tempos de Luta – YouTube

33. Memória Para Uso Diário (2007), Beth Formaggini
(3) Memória para uso Diário – YouTube

34. Caparaó (2007), Flavio Frederico
(3) Documentário: Caparaó – YouTube

35. Cidadão Boilesen (2009), Chaim Litewski
(3) Cidadão Boilesen – Um dos Empresários que Financiou a Tortura no Brasil – YouTube

36. Em teu nome (2009), Paulo Nascimento
(3) Em Teu nome – Filme Completo em Português – Filme de Drama | Netmovies – YouTube

37. Perdão, Mister Fiel (2009) Jorge Oliveira
(3) PERDÃO MISTER FIEL filme completo versão em português – YouTube

38. Diário de uma busca (2011), Flávia Castro (trailer)
https://www.youtube.com/watch?v=CoGhWTGS8CU

39. Uma longa viagem (2011), Lucia Murat (Trailer)
https://www.youtube.com/watch?v=FCKdZDIWzEk

40. Dossiê Jango (2012), Paulo Henrique Fontenelle
(3) Dossiê Jango – Documentário Completo [HD] – YouTube

41. Marighella (2012), de Isa Grinspum Ferraz
(3) Marighella Filme Completo HD – YouTube

42. O dia que durou 21 anos (2012), Camilo Tavares
(3) O Dia que Durou 21 Anos – Documentário Completo – YouTube

43. Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor: BRASIL (2012).Lúcio de Castro/ESPN
(3) Memorias do Chumbo Brasil – YouTube

44. Memórias do Chumbo – Argentina (2012). Lúcio de Castro/ESPN
(3) Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor – Argentina – YouTube

45. Memórias do Chumbo – Uruguai (2012), Lúcio de Castro/ESPN
(3) Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor – Uruguai – YouTube

46. Memórias do Chumbo – Chile (2012), Lúcio de Castro/ESPN
(3) Memórias do Chumbo- O Futebol nos Tempos do Condor – Chile – YouTube

47. Cara ou coroa (2012), Ugo Giorgetti
https://www.youtube.com/watch?v=44MNkZbOd7w

48. Repare bem (2012), Maria de Medeiros (Trailer)
https://www.youtube.com/watch?v=-NOXy98mGTI

49. A memória que me contam (2012), de Lúcia Murat
(3) A Memoria Que Me Contam (2013) – YouTube

50. Em busca de Iara (2013), Carlos Frederico (Trailer)
https://www.youtube.com/watch?v=6mAJEQST8ZU

O futebol como reprodução do status quo educacional brasileiro

Não há como negar que no Brasil, o futebol é o esporte mais acompanhado, mais jogado e o mais desejado, desde crianças até os mais idosos. Muitos garotos, pelo menos uma vez na vida já jogaram bola na rua ou no campinho, ou criaram uma simpatia por um time ou seleção, seja na vida real ou no video game. Nos tempos atuais, as mulheres vêm adquirindo algum, porém, importante espaço e visibilidade com a criação de competiçoes regionais, nacionais e internacionais, e aliada à aquisição de direitos de transmissão por grandes canais de televisão e pelo público em geral, acaba despertando interesses; é verdade que trata-se de um grande caminho a trilhar, pois a nossa cultura machista ainda não enxerga o futebol como sendo um esporte plenamente ideal para ser praticado pelas mulheres, o que deve ser combatido sempre.

Fonte: Dna Esporte

Entretanto, a questão vai além. Quando eu assisto um jogo de futebol ou algum programa esportivo, os jogadores geralmente dizem a mesma coisa. Um exemplo básico:

O time A está ganhando do time B; no intervalo, o repórter lança a pergunta (que costuma ser a mesma também) para o jogador A, que responde:

-Vamos continuar nesse ritmo para ganhar os 3 pontos.

O repórter lança uma pergunta um pouco diferente, pelo fato da derrota provisória para o jogador B, que diz:

-Vamos voltar para o 2° tempo para fazer os gols e empatar ou ganhar.

Ao final do jogo, o time A mantém a vitória sobre o B. O mesmo repórter se aproxima do jogador A. Resposta:

-Agora é trabalhar para manter o ritmo.

Resposta do jogador do time B:

-Agora é trabalhar para recuperar os pontos perdidos.

Seja na vitória, no empate ou na derrota, nos treinos, entrevistas em geral, como testemunha ocular diária eu digo: o jogador de futebol adquiriu um vício por falar a mesma coisa nessas ocasiões. Porque?

O que me chama a atenção é pelo fato do futebol não ser somente o esporte em si, onde o aprimoramento físico e tático é o principal objetivo. Ele envolve vários aspectos. Pela visibilidade que o esporte alcançou ao longo das décadas, o papel social e porque não, político que ele exerce é significativo. Por exemplo, na final da década de 60, Pelé, sabendo do seu status midiático, juntamente com o time do Santos, aceitaram o convite do governo da República Democrática do Congo e participaram de uma partida de futebol em meio a uma guerra civil. Na ditadura militar, a Seleção canarinho serviu como bode expiatório para simular um ambiente de descontração e alegria em detrimento da sucessiva omissão de notícias acerca de prisões, torturas e mortes que ocorriam, através da conquista do tri, em 1970.

Porém, mesmo o futebol alcançando tal repercussão no país e o mundo acabamos nos surpreendendo quando ouvimos de um jogador de futebol um comentário sobre política, sobre raça, sobre qualquer assunto que fuja das quatro linhas. Infelizmente, o futebol serve à lógica capitalista, desde uniformes, bolas, até reprodução de penteados (vide Ronaldo na copa de 2002) e gestos (Gabigol comemorando um gol, com os braços semi erguidos, simulando um sinal de força) os jogadores são transformados em produtos, situados na categoria de entretenimento e isso retira do esporte, um potencial agregador no quesito educacional. Como reflexo, temos a parca comunicação dos atletas, na maioria das vezes não obtendo respostas para perguntas simples dos repórteres.

Na realidade do sistema educacional, elementos como falta de professores, baixos salários, consequente desinteresse do profissional diante das más condições de trabalho como locais distantes, negligência da direção em relação a problemas com drogas e de abusos sexuais, uso do esporte apenas como um “placebo”, ou seja, um aliviador de tensões no ambiente escolar, dentre outros problemas podem ser encarados pelos alunos apenas como uma fase, em que o único objetivo é chegar ao último ano, sair deste lugar e alcançar o sonho de ser jogador de futebol.

Fonte: Revista Digital

É interessante que muitos pais ao descobrirem o desejo dos filhos de ingressarem no futebol, os veem como uma oportunidade de ascensão social. No entanto, assim como em diversas profissões, existem o bom profissional e o mal profissional e se em uma profissão há uma procura excessiva, poucos são os destaques e muitas as decepções. E assim, aquele jovem que sonhava com os holofotes e as facilidades que o futebol proporciona, ao receber o “não” na peneira, não vê outra saída senão se sujeitar a trabalhos com baixo salário e alta exploração, tal como a lógica capitalista demanda. É possível que se tivéssemos uma educação qualificada, disposta  realmente a inserir na criança e no adolescente tanto o conhecimento como forma de se entender e entender os mecanismos da sociedade quanto formá-lo profissionalmente através do futebol e outros esportes, o cenário seria diferente. Não é à toa que no final da carreira ou próximo, alguns jogadores procuram uma qualificação acadêmica ou tentar uma aventura em outro ramo dos negócios como forma de expandir o leque profissional, como forma de compensar aquilo que ele não teve ao longo da vida.

No futebol em geral, obviamente o trabalho e dedicação constantes de uma equipe geram bons frutos ao final da temporada, seja ela o título ou a vaga para uma competição internacional; todavia, fatores como uma bola desviada do time adversário que termina na rede, o craque do time se machuca, ou uma péssima arbitragem influenciam no projeto final.

Na educação é a mesma coisa. Não basta o Estado ter dinheiro e não investir no lugar certo ou investir mal, assim como não adianta haver bons professores se não há condições suficientes para dar uma aula de qualidade. Tem de haver uma mudança de mentalidade do Estado, priorizar a educação e entendê-la como um dos pilares para a evolução de um país. Porque, como resultado desses problemas, o Brasil amarga o Z-4 do ranking global de qualidade na educação. Periga ficar nas divisões inferiores por um bom tempo; por isso, é necessário nos dizeres dos jogadores, “trabalhar para recuperar os pontos perdidos”

O negacionismo como narrativa catártica e perversa nos corações e mentes dos brasileiros.

Ilustração: Daniel Medina

Estamos vivendo uma época ímpar no Brasil e no mundo. Em meio à uma pandemia de Covid-19, trancados em nossas casas, buscamos na ciência uma solução para o combate ao vírus. Dia após dia, vemos notícias de médicos e enfermeiros na linha de frente para salvar vidas. Nos bastidores, temos os cientistas de diversos ramos da Biologia, Infectologia entre outros na corrida por remédios e vacina. Cada vez mais, artigos científicos são publicados em revistas especializadas e notícias esparsas de testes e mais testes são veiculadas nos canais de comunicação. Enquanto o remédio e/ou vacina não chega, qual é a recomendação? Isso já estamos cansados de ouvir: ficar em casa e só sair se estritamente necessário. Os únicos lugares permitidos são os chamados “essenciais” como supermercados, farmácias e hospitais, para quem tem algum procedimento de emergência, por exemplo.

Uma grande parte da população não dispõe dessa vantagem, pois precisa trabalhar. Seja porque o trabalhador não possui vínculo empregatício fixo e se ele não sair para ganhar seu sustento, não coloca comida em casa; seja porque ele possui, sim, registro em carteira, mas a empresa não o permite ficar em casa, e os motivos são diversos, mas não me aprofundarei aqui. Do outro lado, existem aqueles que mesmo no conforto dos seus lares e com algumas condições financeiras e mentais, preferem ecoar o discurso da negação. Ou seja, tal epidemia não é o bicho papão que estão pintando, afinal, já temos doenças que matam muito mais e que existe um plano muito bem estruturado pelo governo (aí você decide de qual esfera estou falando) de prender as pessoas em casa e retirar o direito constitucional de “ir e vir” (seja lá o que signifique isso).

Existem outras narrativas mais, que transformaria esse singelo escrito em uma tese de doutorado, mas vou me ater em alguns temas e no final, tentarei explicar o motivo de tal insistência nossa em negar certas realidades.

Negação no cinema

Parte do meu interesse em escrever sobre o negacionismo teve a ajuda valiosa de um filme estreado em 2016 de nome Negação. A película é baseada em fatos reais[1] e mostra o caso da historiadora e escritora Deborah Lipstadt, que em 1993 publicou o livro Denying the Holocaust: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória). Nesse livro, a autora expõe casos de pessoas sustentando a teoria de que o massacre perpetuado pelo governo nazista aos judeus na Segunda Guerra Mundial simplesmente não aconteceu. Não só isso: os números são bem menores do que 6 milhões de judeus mortos, entre outros argumentos. Deborah cita, por exemplo, o caso do escritor britânico David Irving; segundo ele, até aquele presente momento (anos 90), não tinha sido encontrado nenhum documento escrito por Adolf Hitler autorizando o extermínio sistemático de judeus. As câmaras de gás de Auschwitz não tinham a função de matar e sim, a de fumegar cadáveres; além disso, o Zyklon B (composto poderosíssimo usado originalmente para eliminar ratos) foi usado, segundo ele, para eliminar os piolhos causadores de tifo.

Irving, ao ser exposto, resolve processar Deborah por difamação e, pasmem, todo o processo decorre do fato da historiadora ter a missão de provar para o juiz que o holocausto realmente aconteceu, pois, no Reino Unido, não existe a presunção da inocência. Caso ela não tivesse respondido o processo, Irving teria ganho o caso.

Todo o processo correu por longos seis anos. O filme mostra como Deborah e sua equipe de advogados tiveram que ser extremamente habilidosos em relação a reunir documentos confiáveis e não caírem na armadilha falaciosa de Irving, pois, no que tange a processos judiciais, argumentos mal construídos podem levar a derrotas irrecuperáveis.

Diante desse filme, poderíamos questionar: se um assunto exaustivamente abordado como o Holocausto, mesmo assim é alvo de revisionismos em seus acontecimentos e ainda por cima, ganha a atenção e adesão das pessoas ao redor do mundo, por que isso acontece? Qual o interesse por trás daqueles que defendem a tese contrária à do genocídio das minorias na Alemanha? E por que algumas pessoas validam esse argumento sem questionar?

Vacinas

Atualmente, no século XXI, já temos provas contundentes que a vacina é um composto capaz de prevenir diversas doenças. A consequência da aplicação das vacinas é que um bom número de doenças tinham sido erradicadas (como a febre amarela e o sarampo). E por que não é mais?

Desde tempos remotos, populações eram contra em um primeiro momento a adesão da vacina. O medo do desconhecido sempre permeou nossas mentes. Um exemplo claro foi a Revolta da Vacina, ocorrida em 1904, no Rio de Janeiro[2]. Na época, a cidade, mesmo sendo capital do Brasil, não era muito desenvolvida. O sistema de saúde era precário e o presidente Rodrigues Alves resolveu adotar uma série de reformas sanitárias, além de modernizar a cidade, claro.

Quando os cariocas viram que várias determinações arbitrárias foram tomadas como demolições de prédios, estabelecimentos fechados porque não atendiam os requisitos sanitários, o estopim foi um projeto de lei que obrigava a vacinação compulsória contra a varíola, o que acarretou em protestos, onde as pessoas depredavam delegacias e prédios públicos, tombavam bondes etc. O cenário mudou quando o governo voltou atrás quando optou por conscientizar a população dos benefícios da vacina, o que não era pregado na época.

Entretanto, ainda hoje vemos céticos propagarem inverdades sobre a vacina, dizendo que ela seria a causadora do autismo[3]. Personalidades como o ator Jim Carrey aderiu à campanha nos Estados Unidos.

Cada lugar com seu louco de estimação. Aqui no Brasil, temos como maldição o astrólogo Olavo de Carvalho. O mesmo, em 2006 publicou no seu blog Midia sem Máscara

Não tenho a menor convicção pessoal quanto às vacinas. Já li provas científicas eloquentes de que são úteis e de que são perniciosas, e me considero humildemente em dúvida até segunda ordem. Alguns de meus oito filhos tomaram vacinas, outros não. Todos foram abençoados com saúde, força e vigor extraordinários, e nenhum deles deve isso aos méritos da ciência estatal, mas a Deus e a ninguém mais. Tenho o direito às minhas dúvidas, tanto quanto Júlio Severo tem direito às suas certezas. O Estado e sua burocracia científica que vão para o diabo, que é pai dos dois.[4]

O atual guru ideológico do governo Bolsonaro confessa que alguns de seus filhos tomaram a vacina, mas não atribui a saúde dos mesmos ao vírus enfraquecido e sim, “a Deus e ninguém mais”.

Opiniões como essa podem soar como inofensivas, mas alimenta a ignorância daqueles céticos no poder da ciência, que procuram alguém para concordar com sua visão de mundo. A inserção de entidades religiosos como única ferramenta para validar a boa saúde, boas condições financeiras entre outras benesses, nega e põe em risco o trabalho de anos e anos dos cientistas para eliminar doenças há muito já superadas. Não à toa, de acordo com a ONU, a média brasileira de vacinados contra o sarampo tinha diminuído de 99% entre 2010 e 2017 para 84% em 2018.[5]

Outras narrativas como – que a propósito já aconteceu em outras épocas de epidemias e vem acontecendo como a do ‘vírus chinês’ – a de que as vacinas “são um plano arquitetado por governos para ganharem rios de dinheiro e alavancarem a economia local em consequência do próprio vírus que eles criaram” são muito poderosas e geram medo, além de provocar reações extremadas como a xenofobia.

As fake news dos “Caixões Vazios” e a negação da Covid-19

Nessa onda negacionista, alavancada por vozes dentro do governo federal e suas ramificações nos outros poderes, temos uma arauta da desgraça. Ninguém menos do que a deputada Carla Zambelli. Dentre várias mentiras pregadas durante seu curto e inexpressivo mandato, recentemente no mês passado, em uma entrevista com José Luiz Datena, Zambelli alega ter recebido informações de que no Ceará, caixões estavam sendo enterrados vazios. Na origem dessa “informação”, diz ter visto “uma foto” de uma menina carregando um caixão “com um dedinho”, e questiona esse fato. Datena apenas fica quieto. Talvez um jornalista sério teria perguntado onde ela recebeu tal informação.[6]

Como consequência dessa fake news, em Manaus, famílias estavam abrindo caixões para conferir se seus parentes estavam realmente lá, mesmo correndo riscos altíssimos de exposição ao Coronavírus.[7] Também houveram agressões a médicos que colocavam como causa mortis a Covid-19, pois as famílias simplesmente não aceitavam tal resultado.

Conclusão

Os negacionistas são pessoas que sempre estão defendendo uma narrativa contrária àquela mostrada pelos especialistas. No início, quando o que tínhamos ainda era uma epidemia, os negacionistas diziam que o coronavirus era apenas “uma gripe leve” e a OMS e imprensa eram culpados por disseminar o medo entre a população. Ao chegar no Brasil, a culpa foi transferida aos governadores e prefeitos, que impuseram a quarentena e limitaram a movimentação das pessoas, causando revolta nesse grupo. Ou seja, eles nunca são responsáveis pelo seus atos, e pior, alguns deles fazem questão de ir às ruas e colocar em risco a saúde deles e das outras pessoas, como bem explanou o jornalista Leonardo Sakamoto.[8]

Outra forma de entender a negação das pessoas em encarar a atual realidade venha do fato do vírus ter se espalhado em uma velocidade tão repentina e feroz, além de uma imposição em ficar em casa contra a nossa vontade, por isso, talvez “a ficha ainda não tenha caído”

O negacionismo claramente é endossado por pessoas de má índole, principalmente aquelas que colocam a economia acima da saúde da população e incita o ataque aos profissionais que estão trabalhando na linha de frente de combate a Covid-19. Tal discurso encontra nas mentes mais ignorantes um terreno fértil para disseminação das mentiras e um retorno a “vida normal”. Sabemos que na “vida normal” o vírus veio justamente por causa de violações extremadas a natureza e a vida animal. Será que queremos esse retorno?

Fontes:

[1] Como uma pesquisadora foi parar no tribunal para provar que o Holocausto aconteceu – Revista Época. https://epoca.globo.com/como-uma-pesquisadora-foi-parar-no-tribunal-para-provar-que-holocausto-aconteceu-23086662. Acesso em 19/05/2020.

[2] Revolta da Vacina – Nerdologia. https://www.youtube.com/watch?v=SlsHN-OWCkw. Acesso em 20/05/2020

[3] Teorias da Conspiração – Nerdologia. https://www.youtube.com/watch?v=meLRzQr8e6s. Acesso em 20/05/2020

[4] Vacinas – Blog do Júlio Severo. http://juliosevero.blogspot.com/2006/07/olavo-de-carvalho-fala-sobre-questo.html. Acesso em 20/05/2020

[5] A Volta do Sarampo: por que as taxas de vacinação diminuíram?. http://www.enf.ufmg.br/index.php/noticias/1590-a-volta-do-sarampo-por-que-as-taxas-de-vacinacao-diminuiram. Acesso em 20/05/2020

[6] Diário do Centro do Mundo. https://www.diariodocentrodomundo.com.br/video-no-datena-zambelli-espalha-fake-news-de-que-caixoes-estao-sendo-enterrados-vazios/#disqus_thread. Acesso em 22/05/2020

[7] Yahoo Notícias. https://br.noticias.yahoo.com/familias-abrem-caixoes-a-beira-das-covas-coletivas-para-ter-certeza-de-que-estao-enterrando-seus-parentes-em-manaus-161006292.html. Acesso em 22/05/2020

[8] COVID-19: como pensa um negacionista?https://www.youtube.com/watch?v=DClKHI29Ct4. Acesso em 22/05/2020

Leitura de Hoje: O Diabo

Olá, leitores!

Retomando um post sobre leituras que comecei há muito tempo, ironicamente nesta quarentena estou lutando contra o não hábito da leitura, pois nunca fui muito adepto a ler em casa. Meu ritmo sempre foi casa-trabalho e, como trabalho longe, aproveitava esse percurso para ler no transporte público, eu consigo me concentrar mais. Porém, agora a rotina é outra e estamos num período de adaptação.

Pois bem, como retomada, escolhi um livro curto (apenas 64 páginas) de nome “O Diabo” de Leon Tolstói, da editora L&PM Pocket. Acredito que eles nem façam mais esse tipo de publicação, pois nunca mais vi nas bancas ou nas feiras de livros. Outro motivo pela escolha é que eu sempre fui fã dos autores russos mais famosos. Mantenho dentre minhas leituras preferidas Tolstói e Dostoiévski. O modo como eles retratam aspectos da sociedade da época e o sentimento humano sempre me tocaram, mesmo sendo as vezes numa linguagem um pouco complicada de decifrar.

Segue um resumo do conto, publicado no site da Editora L&PM:

Poucos escritores penetraram tão fundo na alma dos seus personagens quanto Leon Tolstói, dono de uma técnica narrativa certeira­ e cristalina. É o que pode ser visto em “O diabo”, conto escrito em 1898. De origem autobiográfica – e provavelmente em razão disso –, o texto só foi publicado postumamente, em 1916, já que Tolstói­ o escondera por considerá-lo escandaloso. “O diabo”­ trata de questões caras ao autor de Guerra e paz: o papel do casamento,­ do sexo e das relações amorosas, bem como a responsabilidade moral dos indiví­duos. Na história, Evguêni, um bacharel em direito,­ se envolve com uma bela camponesa da região, num caso que teria tudo para ser esquecido e relegado às loucuras de juventude. Mas Evguêni é jovem, e não percebe que está criando armadilhas para si mesmo…

Tolstoi coloca o protagonista como uma pessoa de perfil conservador, que mantém planos de gerir bem a herança deixada pelo pai (que fez o contrário, por sinal), ter um emprego de destaque e, claro, casar-se. Ou seja, mesmo sendo jovem, Evguêni tinha pensamentos para um futuro a longo prazo, mas isso não significava que ele não queria aproveitar a vida, no sentido afetivo. Por isso, seu objetivo era se envolver com camponesas, porém, sem nada fixo, pois o matrimonio não era seu objetivo naquele momento.

Após um encontro com Stepanida, uma camponesa esposa de um militar que estava em serviço, Evguêni se sente atraído pela mesma, pedindo cada vez mais encontros através de um intermediário, porém, ele mantinha seu controle emocional, sabia que aquilo era momentâneo. Tanto que após um tempo, ele resolveu se casar e esqueceu Stepanida.

Anos haviam se passado e Evguêni estava com uma vida próspera e com a vinda de um filho, as coisas iam “de vento em popa”, até que em um dia comum de faxina na casa, Liza, sua mulher resolve contratar duas mulheres para fazer o serviço completo, uma delas era justamente Stepanida… e isso acaba deixando Evguêni com sentimentos controversos.

Não vou colocar spoilers, mas adianto que esse conto ainda possui dois finais e ambos são publicados. O que achei interessante no livro foi como por trás da roupagem conservadora da burguesia, que procura mostrar que são pessoas corretas e moralmente responsáveis (muitas delas carregando uma base de cunho religioso), na realidade, muitos aspectos são bem diferentes. Recomendo a leitura!

Anthony Almeida

O Jair que há em nós

Créditos da foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

O Brasil levará décadas para compreender o que aconteceu naquele nebuloso ano de 2018, quando seus eleitores escolheram, para presidir o país, Jair Bolsonaro. Capitão do Exército expulso da corporação por organização de ato terrorista; deputado de sete mandatos conhecido não pelos dois projetos de lei que conseguiu aprovar em 28 anos, mas pelas maquinações do submundo que incluem denúncias de “rachadinha”, contratação de parentes e envolvimento com milícias; ganhador do troféu de campeão nacional da escatologia, da falta de educação e das ofensas de todos os matizes de preconceito que se pode listar.

Embora seu discurso seja de negação da “velha política”, Bolsonaro, na verdade, representa não sua negação, mas o que há de pior nela. Ele é a materialização do lado mais nefasto, mais autoritário e mais inescrupuloso do sistema político brasileiro. Mas – e esse é o ponto que quero discutir hoje – ele está longe de ser algo surgido do nada ou brotado do chão pisoteado pela negação da política, alimentada nos anos que antecederam as eleições.

Pelo contrário, como pesquisador das relações entre cultura e comportamento político, estou cada vez mais convencido de que Bolsonaro é uma expressão bastante fiel do brasileiro médio, um retrato do modo de pensar o mundo, a sociedade e a política que caracteriza o típico cidadão do nosso país.

Quando me refiro ao “brasileiro médio”, obviamente não estou tratando da imagem romantizada pela mídia e pelo imaginário popular, do brasileiro receptivo, criativo, solidário, divertido e “malandro”. Refiro-me à sua versão mais obscura e, infelizmente, mais realista segundo o que minhas pesquisas e minha experiência têm demonstrado.

No “mundo real” o brasileiro é preconceituoso, violento, analfabeto (nas letras, na política, na ciência… em quase tudo). É racista, machista, autoritário, interesseiro, moralista, cínico, fofoqueiro, desonesto.

Os avanços civilizatórios que o mundo viveu, especialmente a partir da segunda metade do século XX, inevitavelmente chegaram ao país. Se materializaram em legislações, em políticas públicas (de inclusão, de combate ao racismo e ao machismo, de criminalização do preconceito), em diretrizes educacionais para escolas e universidades. Mas, quando se trata de valores arraigados, é preciso muito mais para mudar padrões culturais de comportamento.

O machismo foi tornado crime, o que lhe reduz as manifestações públicas e abertas. Mas ele sobrevive no imaginário da população, no cotidiano da vida privada, nas relações afetivas e nos ambientes de trabalho, nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, nas piadas diárias, nos comentários entre os amigos “de confiança”, nos pequenos grupos onde há certa garantia de que ninguém irá denunciá-lo.

O mesmo ocorre com o racismo, com o preconceito em relação aos pobres, aos nordestinos, aos homossexuais. Proibido de se manifestar, ele sobrevive internalizado, reprimido não por convicção decorrente de mudança cultural, mas por medo do flagrante que pode levar a punição. É por isso que o politicamente correto, por aqui, nunca foi expressão de conscientização, mas algo mal visto por “tolher a naturalidade do cotidiano”.

Se houve avanços – e eles são, sim, reais – nas relações de gênero, na inclusão de negros e homossexuais, foi menos por superação cultural do preconceito do que pela pressão exercida pelos instrumentos jurídicos e policiais.

Mas, como sempre ocorre quando um sentimento humano é reprimido, ele é armazenado de algum modo. Ele se acumula, infla e, um dia, encontrará um modo de extravasar. Como aquele desejo do menino piromaníaco que era obcecado pelo fogo e pela ideia de queimar tudo a sua volta, reprimido pelo controle dos pais e da sociedade. Reprimido por anos, um dia ele se manifesta num projeto profissional que faz do homem adulto um bombeiro, permitindo-lhe estar perto do fogo de uma forma socialmente aceitável.

Foi algo parecido que aconteceu com o “brasileiro médio”, com todos os seus preconceitos reprimidos e, a duras penas, escondidos, que viu em um candidato a Presidência da República essa possibilidade de extravasamento. Eis que ele tinha a possibilidade de escolher, como seu representante e líder máximo do país, alguém que podia ser e dizer tudo o que ele também pensa, mas que não pode expressar por ser um “cidadão comum”.

Agora esse “cidadão comum” tem voz. Ele de fato se sente representado pelo Presidente que ofende as mulheres, os homossexuais, os índios, os nordestinos. Ele tem a sensação de estar pessoalmente no poder quando vê o líder máximo da nação usar palavreado vulgar, frases mal formuladas, palavrões e ofensas para atacar quem pensa diferente. Ele se sente importante quando seu “mito” enaltece a ignorância, a falta de conhecimento, o senso comum e a violência verbal para difamar os cientistas, os professores, os artistas, os intelectuais, pois eles representam uma forma de ver o mundo que sua própria ignorância não permite compreender.

Esse cidadão se vê empoderado quando as lideranças políticas que ele elegeu negam os problemas ambientais, pois eles são anunciados por cientistas que ele próprio vê como inúteis e contrários às suas crenças religiosas. Sente um prazer profundo quando seu governante maior faz acusações moralistas contra desafetos, e quando prega a morte de “bandidos” e a destruição de todos os opositores.

Ao assistir o show de horrores diário produzido pelo “mito”, esse cidadão não é tocado pela aversão, pela vergonha alheia ou pela rejeição do que vê. Ao contrário, ele sente aflorar em si mesmo o Jair que vive dentro de cada um, que fala exatamente aquilo que ele próprio gostaria de dizer, que extravasa sua versão reprimida e escondida no submundo do seu eu mais profundo e mais verdadeiro.

O “brasileiro médio” não entende patavinas do sistema democrático e de como ele funciona, da independência e autonomia entre os poderes, da necessidade de isonomia do judiciário, da importância dos partidos políticos e do debate de ideias e projetos que é responsabilidade do Congresso Nacional. É essa ignorância política que lhe faz ter orgasmos quando o Presidente incentiva ataques ao Parlamento e ao STF, instâncias vistas pelo “cidadão comum” como lentas, burocráticas, corrompidas e desnecessárias. Destruí-las, portanto, em sua visão, não é ameaçar todo o sistema democrático, mas condição necessária para fazê-lo funcionar.

Esse brasileiro não vai pra rua para defender um governante lunático e medíocre; ele vai gritar para que sua própria mediocridade seja reconhecida e valorizada, e para sentir-se acolhido por outros lunáticos e medíocres que formam um exército de fantoches cuja força dá sustentação ao governo que o representa.

O “brasileiro médio” gosta de hierarquia, ama a autoridade e a família patriarcal, condena a homossexualidade, vê mulheres, negros e índios como inferiores e menos capazes, tem nojo de pobre, embora seja incapaz de perceber que é tão pobre quanto os que condena. Vê a pobreza e o desemprego dos outros como falta de fibra moral, mas percebe a própria miséria e falta de dinheiro como culpa dos outros e falta de oportunidade. Exige do governo benefícios de toda ordem que a lei lhe assegura, mas acha absurdo quando outros, principalmente mais pobres, têm o mesmo benefício.

Poucas vezes na nossa história o povo brasileiro esteve tão bem representado por seus governantes. Por isso não basta perguntar como é possível que um Presidente da República consiga ser tão indigno do cargo e ainda assim manter o apoio incondicional de um terço da população. A questão a ser respondida é como milhões de brasileiros mantêm vivos padrões tão altos de mediocridade, intolerância, preconceito e falta de senso crítico ao ponto de sentirem-se representados por tal governo.

Publicado originalmente aqui.

Download de obras de Ivan Illich

Ivan Illich - Wikiquote

Ivan Illich nasceu em Viena no ano de 1926. Sua família mudou-se para Roma, onde Illich completou os seus estudos: física (Florença), filosofia e teologia (Roma) e doutoramento em História (Salzburgo). Por ser fluente em dez línguas, Illich tornou-se intérprete do Cardeal Spellman (nova York) e teve como função preparar religiosos para a comunidade hispano-americana. Nos anos 60 mudou-se para o México onde criou o Centro Intercultural de Formação (CIF) – espécie de faculdade aberta. Faleceu em Bremen, na Alemanha em Dezembro de 2002

Propostas teóricas contra a EscolaEscreveu inúmeros artigos e livros, entre os quais: Sociedade sem Escolas em 1970.“criar entre o homem e aquilo que o rodeia novas relações que sejam fontes de educação, modificando simultaneamente as nossas reações, a idéia que faze- mos do desenvolvimento, os utensílios necessários para a educação e o estilo da vida quotidiana” (Illich, 1970, p.6).

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Anthony Cardoso

62 obras de educadores para download

A Coleção Educadores, uma iniciativa do Ministério da Educação em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco e a Unesco disponibiliza para download 62 volumes de grandes pensadores do ramo da pedagogia, com o objetivo de difundir seus escritos, suas histórias de vida e reconhecer a importância de tais pessoas dentro da cadeia humanística nacional e internacional.

A escolha dos autores foi realizada por representantes do MEC, de instituições universitárias, educacionais e da Unesco, finalizando em uma lista de trinta brasileiros e trinta estrangeiros, além de dois manifestos: o dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e dos Educadores (1959). No âmbito internacional, optou-se por aproveitar a coleção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos maiores pensadores da educação de todos os tempos e culturas. O MEC também recorreu a pesquisadores do Instituto Paulo Freire para concretizar esse ousado projeto.

Os autores escolhidos são: Al­ceu Amo­ro­so Li­ma, Al­fred Bi­net, Al­mei­da Jú­ni­or, An­drés Bel­lo, An­ton Maka­renko, An­to­nio Gram­sci, Aní­sio Tei­xei­ra, Apa­re­ci­da Joly Gou­veia, Ar­man­da Ál­va­ro Al­ber­to, Aze­re­do Cou­ti­nho, Ber­tha Lutz, Bog­dan Su­cho­dolski, Carl Ro­gers, Ce­cí­lia Mei­re­les, Cel­so Su­cow da Fon­se­ca, Cé­les­tin Frei­net, Darcy Ri­bei­ro, Do­min­go Sar­mi­en­to, Dur­me­val Tri­guei­ro, Ed­gard Ro­quet­te-Pin­to, Édou­ard Cla­pa­rè­de, Émi­le Durkheim, Fer­nan­do de Aze­ve­do, Flo­res­tan Fer­nan­des, Fre­de­ric Skin­ner, Fri­e­drich Frö­bel, Fri­e­drich He­gel, Fro­ta Pes­soa, Ge­org Kers­chen­stei­ner, Gil­ber­to Freyre, Gus­ta­vo Ca­pa­ne­ma, Hei­tor Vil­la-Lo­bos, He­le­na An­ti­poff, Hen­ri Wal­lon, Hum­ber­to Mau­ro, Ivan Il­lich, Jan Amos Co­mê­nio, Je­an Pi­a­get, Je­an-Jac­ques Rous­se­au, Je­an-Ovi­de De­croly, Jo­hann Her­bart, Jo­hann Pes­ta­loz­zi, John Dewey, Jo­sé Mar­tí, Jo­sé Má­rio Pi­res Aza­nha, Jo­sé Pe­dro Va­re­la, Jú­lio de Mes­qui­ta Fi­lho, Liev Se­mio­no­vich Vygotsky, Lou­ren­ço Fi­lho, Ma­no­el Bom­fim, Ma­nu­el da Nó­bre­ga, Ma­ria Mon­tes­so­ri, Ní­sia Flo­res­ta, Or­te­ga y Gas­set, Pas­cho­al Lem­me, Pau­lo Frei­re, Ro­ger Cou­si­net, Rui Bar­bo­sa, Sam­paio Dó­ria, Sig­mund Freud e Val­nir Cha­gas.

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Anthony Cardoso

Renascendo das Cinzas!

Olá, leitores!

Quem diria que eu voltaria a escrever nesse blog, quatro anos depois. Sempre tive um carinho muito grande por ele e, volta e meia eu entrava para ver o que eu e meus amigos escreveram há tempos atrás, em um ambiente de efervescência política bem mais sã do que atualmente. Também fiquei surpreso ao ver que um bom número de pessoas ainda visitavam meu blog e, mais ainda, que algumas delas comentavam nos posts com pedidos ou apenas dando suas opiniões. A essas pessoas, muito obrigado!

Vocês podem se perguntar o motivo da minha volta. Bom, eu já pensava nessa possibilidade, principalmente no período das fatídicas eleiçoes presidenciais de 2018 onde as esperanças de muitas pessoas foram por água abaixo quando a população decidiu eleger Jair Bolsonaro (não é fácil escrever o nome desse ser aqui) por causa do sentimento antipetista ou pela famosa “falta de opção” que forma um efeito dominó nas pessoas. Na época eu queria escrever uma espécie de continuação de um post que escrevi em 2013, no auge das manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo que encontra-se aqui (é um dos posts mais acessados do blog, dado o momento ímpar pelo qual passamos), ou seja, já naqueles dias, o “ovo da serpente” foi concebido, em 2018 ele chocou. Porém, o projeto não foi adiante e o tempo foi passando.

Mas o motivo determinante para voltar acredito que tenha sido a quarentena que precisamos cumprir. É aquele negócio: temos tempo de sobra agora, então, vamos aproveitar rsrs…

Brincadeiras a parte, o que me motivou também foi a vontade de retomar as análises sobre o atual momento político, além de escrever resenhas sobre os livros que tenho lido. Essa última parte não tem sido fácil, pois apesar do tempo disponível, o tédio domina em alguns momentos e simplesmente não me dá vontade de escrever nem ler nada, apenas assistir filmes e séries. Mas vou procurar superar esse momento de dificuldade criativa e trazer um conteúdo de qualidade para vocês 🙂

Pode ser que eu fale também sobre algum filme que gostei e, claro, que esteja de acordo com a proposta do blog, mas ainda é incerta essa possibilidade.

Pois bem, essa é a mensagem de hoje. No meu planejamento futuro, pretendo falar sobre duas obras que li recentemente: Veias Abertas da America Latina de Eduardo Galeano, um excelente ensaio sobre o nosso tão explorado e vilipendiado território, e O Diabo, de Leon Tolstoi, um dos meus escritores preferidos e que escreve um conto abordando a fidelidade conjugal.

Saudações!

Anthony Cardoso

A ideia de Socialismo a partir de uma reflexão histórica

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A ideia de socialismo a partir de uma reflexão histórica[1]

Thiago Augusto Pestana da Costa*

Introdução

O presente artigo procura discutir o conceito de socialismo[2] utópico e científico proposto por Friedrich Engels, tendo em vista que sua obra pode ser considerada como fonte histórica devido ao tempo e espaço em que foi escrito, que, por conseguinte, dialoga com uma ampla historiografia onde o campo da metafísica é sobrepujado pelo materialismo histórico dialético. A civilização europeia passou a chamada transição[3] da Idade Média para a Idade Moderna seguindo configurações econômicas bastante diferentes. O capitalismo foi, e é visto, como um fator determinante que modificou plenamente a economia europeia – e de todo o mundo –, que no período precedente foi feudal, teve que romper todo o secular sistema econômico em favor de outro mais dinâmico, avassalador e excludente. Não significa que o sistema feudal fosse melhor em relação ao incipiente modo de produção, no entanto, a mentalidade das pessoas mudaria subitamente, e os antigos servos passariam para a condição de proletariados, ou seja, eles trabalhariam em troca de salário fomentando os anseios dos antigos nobres agora burgueses em ascensão.

“Devemos empregar com precaução a palavra “burguesia” e devemos evitar o termo “capitalismo” enquanto não se trate da sociedade moderna, onde a produção maciça de mercadorias repousa sobre a exploração do trabalho assalariado, daquele que nada possui”, ou seja, os donos dos meios de produção explorando a mão de obra engendrando uma opulência individual em detrimento da participação coletiva (Vilar, 2003, p. 38). Caracteriza-se diante destas circunstâncias a mudança de comportamento cultural, político, econômico e social inserido no processo de “longa duração”.

Evidentemente, seria necessária uma observação no plano social da civilização medieval para que possamos melhor compreender esta transição. Ora, um mestre detinha o segredo do ofício e para auxiliá-lo em seu trabalho, contratava jornaleiros[4] ou ajudantes – que em troca ganhavam além do aprendizado, moradia e comida.  No entanto, após certo tempo de experiência, o aprendiz poderia abrir sua própria oficina mediante a aprovação da Corporação de Ofício que avaliaria suas habilidades e competências. Para este que almejava ser mestre, era necessário possuir certa quantia de recursos que viabilizasse a abertura de sua oficina. Na visão de Engels (2001), a produção de artigos estava relacionada para o consumo próprio da família ou do senhor feudal e o comércio se dava mediante aos excedentes que porventura fossem produzidos. Os preços eram regulados em Corporações do Ofício[5] onde os mestres não poderiam cobrar além do estipulado pela corporação – a concorrência era mínima.

Em função disso, estava claramente posto que tais produções medievais não pudessem crescer em alta escala. Seria necessária uma reformulação[6] dos meios de produção onde o homem mais privilegiado economicamente colocaria à sua disposição um vultoso contingente de pessoas trabalhando. Ficaria incumbida dessa missão a velha Europa e a famosa Revolução Industrial, que por si “é um fenômeno complicado; em nenhum lugar ele ocorreu de uma só vez” (Braudel, 2004, p.341). Paralela a ela, a ascensão do iluminismo trouxe à baila questões contundentes que colocariam em xeque os modelos sociais predecessores dando ênfase na razão, muito embora essa estivesse galgada sob a ótica da burguesia. A nobreza medieval se inclinava para a burguesia moderna estendendo sua hegemonia aos lugares mais longínquos de onde pudesse tirar benefícios. A ideia de socialismo como sabemos, estava relacionada aos interesses coletivos que de certa forma causava repudia das elites que não abririam mão de suas riquezas. É evidente que os chamados socialistas utópicos Saint Simon, Fourier, Owen e até Proudhon[7], contribuíram significativamente – cada um com a sua teoria – para a consolidação do pensamento socialista, porém, seria necessário que a teoria saísse do campo das ideias e fosse colocada em prática. Precisamos ter cuidado ao tratar deste assunto para não cometermos anacronismos, sendo assim, um dos novos fatores, ao lado da indústria que colocariam a Europa sob um contexto foi a substituição da troca pela ascensão do dinheiro. Aquela sociedade estamental fora modificada. O capitalismo começou a estender seus braços na Europa e a mentalidade do homem passou a contrapor o lema da Revolução Francesa, sobretudo da burguesia que com sua hegemonia espalhou a miséria às classes menos favorecidas que teve que fornecer sua mão de obra e o corpo para sobreviver[8]. A civilização toma corpo em um vultoso antagonismo de classes e os chamados socialistas utópicos sentiram a necessidade de pensar um modelo de sociedade diferente do degradante sistema capitalista. O pensar demais foi um agravante, era necessário agir, tentar para mudar, porém, não importa o tempo em que estejamos falando, é nítido perceber que foram os interesses das “elites que provocavam os acontecimentos” e “sempre eram muito mais exclusivas do que o público eleitor e normalmente tomavam as decisões fora das vistas de todos” (Gay, 2002, p.37). Sufocados, restava aos trabalhadores exploração[9], esta estendida até o momento que nos ocupa. Tamanhos entraves não estavam repercutindo apenas do micro[10], mas também no macro[11] espaço geográfico.

A hostilidade francesa à Grã-Bretanha era um pouco mais complexa, mas a sua corrente que, como os britânicos, exigia uma vitória total foi grandemente fornecida pela Revolução, o que trouxe ao poder uma burguesia francesa cujos apetites eram a seu modo, tão ilimitados quanto o dos britânicos (Hobsbawm, 2015, p.143).

Nesse sentido, era necessário para a França, exterminar o comércio britânico para estabelecer sua hegemonia detendo o monopólio mundial. Foi o que vimos Napoleão Bonaparte tentando fazer com o Bloqueio Continental. Ora, como poderia emergir diante a estes antagonismos um sistema socialista onde o individual sempre sobrepujava o coletivo. Era necessária a unificação da classe trabalhadora que sempre foi à maioria em relação à nobreza e burguesia. Eis o cerne da discussão, ou seja, o pensamento metafísico seria superado pelo materialismo histórico dialético que vai de encontro ao coração do sistema capitalista de maneira científica desmascarando os antagonismos dando sentido à vida. Nesse sentido, “somos obrigados a lembrar que o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história , é que todos devem estar em condições de viver para poder “fazer história””, no entanto “para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais” (Marx; Engels, 2010, p.53). Para que isso pudesse de fato ocorrer, seria necessária a unificação do proletariado que segundo Engels (2001) estava em condições extremamente desfavoráveis onde o êxodo rural engendrou um inchaço urbano e as extenuantes jornadas de trabalho não fazia diferença entre homens, mulheres ou crianças.

A Lei de fábricas inglesas de 1833, inicialmente só afetou a indústria têxtil estipulando a jornada de trabalho básica de 12 horas por dia para menores de 13 e 18 anos, para crianças de 9 a 13 anos, 8 horas por dia, além da proibição do trabalho para menores de 9 anos. Os empregadores tentaram contornar de todas as formas a Lei e conseguiram que o Parlamento reduzisse a idade mínima de trabalho para 8 anos e a carga horária de 12 horas por dia inclusive para as crianças (Abendroth, 1970, p. 36-37, tradução nossa)[12].

Vale ressaltar, segundo Abendroth (1970) que a partir da lei de junho de 1847 a carga horária de trabalho para as mulheres e crianças caiu de 11 para 10 em maio de 1848 e que em 1850 a carga de 10 horas diária abrangeu todos os trabalhadores, sobretudo no primeiro momento, das indústrias têxteis. “As experiências dessa luta inglesa que ajudaram os trabalhadores franceses a impor a Lei de jornada de 12 horas como o mais importante resultado da revolução de fevereiro de 1848[13]” (Abendroth, 1970, p. 37, tradução nossa). A ideia de socialismo começara a sair do campo das mentalidades e começava a ganhar espaço com as grandes paralisações trabalhistas colocando na prática a famosa frase que abre o Manifesto do Partido Comunista: “A história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história da luta de classes” (Marx; Engels, 2013, p. 45). A utopia do socialismo se dava devido ao querer mudar, mas impossibilitados de poder mudar. A massa proletária unida passaria a compor o chamado “Socialismo Científico”. Sendo o capitalismo o fruto da contradição do feudalismo, e sua dinâmica exploratória uma doença social, somente através da revolução trabalhista que as coisas poderiam mudar. Assim como o feudalismo fora sobrepujado, o capitalismo também seria, até que a passagem transitória do socialismo engendrasse na mentalidade das classes operárias o sentido de igualdade até a ascensão – conforme Marx e Engels teorizavam – do “modelo ideal” de sociedade, ou seja, a Comunista.

Fonte

Engels, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Diponível em: pachto://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000064.pdf; Acesso em: 14 nov. 2015.

 

Referências Bibliográficas

Franco Júnior, Hilário, 1948- A Idade média: nascimento do ocidente / Hilário Franco Júnior. — 2. ed. rev. e ampl. — São Paulo: Brasiliense, 2001.

Marx, Karl e Engels, Friederich. O manifesto do partido Comunista – 2ª ed. Tradução: Pietro Nassetti – 12ª reimpressão – São Paulo: Martin Claret, 2013 – (Coleção obra prima de cada autor).

­­_______________. A Ideologia alemã. 3ª reimp. Tradução: Frank Müller. São Paulo: Martin Claret, 2010 – (Coleção obra prima de cada autor).

 

Capítulos de livros

Abendroth, Wolfgang. Historia social del movimiento obrero europeo. 2ª ed. Barcelona: Estrela, 1970. pp.34-53.

Braudel, Fernand 1902-1985. Gramática das civilizações. F. Braudel; [tradução Antônio de Pádua Danese]. – São Paulo: Martins Fontes, 1989. – (Coleção O homem e a história). pp. 341-361.

Gay, Peter. O século de Schnitzler: a formação da cultura da classe média – 1815-1914. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, pp. 25-54.

Hobsbawm, Eric J. A era das revoluções 1789-1848. – 35ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. pp. 133-164.

Vilar, Pierre. A transição do feudalismo para o capitalismo. In. Santiago, Theo (org). Do feudalismo para o capitalismo – uma discussão histórica. São Paulo: Contexto, 2003. pp. 38-40.

Artigos em periódicos

Paiva, Carlos Águedo. – Marx, Dobb, Sweezy e Hobsbawm, e a polêmica acerca da transição do feudalismo para o capitalismo. Disponível em: <https://docs.google.com/a/aedu.com/document/d/1k13Vd20y0eUz8z_vnUfWFHQrjTsdIJgah2kOodHrz0A/edit?usp=sharing&gt;. Acesso em: 02 mar. 2015.

[1] Artigo apresentado pelo aluno Thiago Augusto Pestana da Costa ao curso de Licenciatura em História, para cumprimento da disciplina História Contemporânea ao professor MS. Rodrigo Martins dos Santos Irponi.

* Aluno do 6° Semestre do curso de Licenciatura em História pela Universidade Anhanguera de São Paulo – Campus III – UNIAN. RA: 6662305489. E-mail: thiago_augustopestana@yahoo.com.br.

[2] Engels, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Disponível em: pachto://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000064.pdf; Acesso em: 18 out. 2015.

[3] Sobre a transição, inúmeros trabalhos foram produzidos, entre eles saliento: Paiva, Carlos Águedo. Marx, Dobb, Sweezy e Hobsbawm, e a polêmica acerca da transição do feudalismo para o capitalismo. Disponível em:<https://docs.google.com/a/aedu.com/document/d/1k13Vd20y0eUz8z_vnUfWFHQrjTsdIJgah2kOodHrz0A/edit?usp=sharing&gt;. Acesso em: 02 mar. 2015; e Vilar, Pierre. A transição do feudalismo para o capitalismo. In. Santiago, Theo (org). Do feudalismo para o capitalismo – uma discussão histórica. São Paulo: Contexto, 2003. p. 38-40.

[4] Jornaleiros eram os sujeitos que trabalhavam e recebiam por dia. Na civilização contemporânea são os chamados freelancers.

[5] A discussão sobre o assunto pode ser observada em: Franco Júnior, Hilário, 1948- A Idade média: nascimento do ocidente / Hilário Franco Júnior. — 2. ed. rev. e ampl. — São Paulo: Brasiliense, 2001.

[6] Fernand Braudel nos dá ampla descrição do contexto industrial e científico da Europa com pós e contras para a construção dos moinhos, a eficiência do cloro, construção de estradas e fluidez dos canais para escoamento de mercadorias, por fim a necessidade da burguesia em adquirir mão de obra a baixo custo. Ver: Braudel, Fernand. Gramática das Civilizações. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Sobretudo das pp. 341-361.

[7] Este pode ser considerado o mais revolucionário em relação aos demais, sobretudo com sua ideia anarquista pautada na ausência do Estado.

[8] Engels, op. cit. p.25

[9] Refiro-me ao conceito de “mais valia” de Marx.

[10] Micro no sentido geográfico: cidade, Estado ou país.

[11] Todo o mundo.

[12] “la ley de fábricas inglesa de 1833, que al principio sólo afectaba a la industria textil, fijó horários básicos de trabajo – para menores de edad entre 13 y 18 años, 12 horas; para niños de 9 a 13 años, 8 horas diarias; el trabajo de los niños menores de 9 años quedó prohibido. Los patronos intentaron soslayar en lo posible esta ley; incluso consiguieron que el Parlamento redujera a 8 años la edad mínima para la ocupación laboral de niños y que el horario general de las fábricas, fijado ahora en 12 horas, fuera también obligatorio para lós niños” (Abendroth, 1970, p. 36-37).

[13] “Las experiencias de esa lucha inglesa las que ayudaron a los obreros franceses a imponer la ley de la jornada de 12 horas como el más importante resultado de la revolución de febrero de 1848” (Abendroth, 1970, p. 37).

O significado de Raízes do Brasil, por Antonio Candido

Publicado originariamente em Café Com Sociologia.
Reproduzimos a seguir uma resenha elaborada por Antonio Candido e publicada na em 1995 como prefácio do livro de Sérgio Buarque, Raízes do Brasil (26ª ed.), publicado pela Companhia das Letras.

O significado de Raízes do Brasil, por Antônio Candido

Em meados do século XX, três livros levaram uma geração a refletir e se interessar pelo Brasil, obras que pareciam exprimir a mentalidade ligada ao “sopro” de radicalismo intelectual e análise social impulsionado após aRevolução de 1930.
A anticonvencional composição extremamente livre e franca de Casa Grande e Senzala, como no tratamento dado à vida sexual do patriarcalismo, e a importância decisiva atribuída ao escravo na formação do modo de ser do brasileiro causou forte impacto na época. Informações e dados que ensejavam noções e pontos de vistas inovadores no Brasil de então. Entretanto, a preocupação do autor com problemas de fundo biológico (raça, aspectos sexuais da vida familiar, equilíbrio ecológico alimentação) dialogava com o naturalismo dos velhos intérpretes da nossa sociedade, como Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Oliveira Vianna.
Três anos depois aparecia Raízes do Brasil. Livro curto, de poucas citações, mas que, entre outras influências, fornecia indicações importantes para compreenderem o sentido de certas posições políticas daquele momento, em que se se buscava soluções novas, fosse à direita, no integralismo, fosse à esquerda, no socialismo e no comunismo.
Seis anos depois do livro de Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. lançava Formação do Brasil Contemporâneo. Interpretação do passado em função das realidades básicas da produção, da distribuição e do consumo. Nele, o autor afasta-se do ensaísmo (marcante nos outros dois livros), prioriza dados e argumentos em detrimento de categorias qualitativas como “feudalismo” ou “família patriarcal”. O materialismo histórico aparecia como forma de captação e ordenação do real, desligado do compromisso partidário ou desígnio prático imediatista.
No pensamento latino-americano, a reflexão sobre a realidade social foi marcada pelo senso dos contrastes e mesmo dos contrários – apresentados como condições antagônicas em função das quais se ordena a história dos homens e das instituições. “Civilização e barbárie” formam o arcabouço do Facundo e de Os Sertões. O pensamento do autor não foge a esse modelo, se constitui pela abordagem dialética de conceitos polares, não como se eles fossem mutuamente excludentes. A visão de um determinado aspecto da realidade histórica é obtida pelo enfoque simultâneo dos dois; um suscita o outro. Sérgio Buarque aproveita o critério tipológico deMax Weber ao focar pares de tipos ao invés de pluralidades de tipos, para trata-los de maneira dinâmica e ressaltar a interação dentro do processo histórico. Com este instrumento, o autor analisa os fundamentos do nosso destino histórico e suas diversas manifestações: trabalho e aventura, método e capricho, rural e urbano, burocracia e caudilhismo, norma impessoal e impulso afetivo – são pares destacados na estrutura social e política pelos quais é possível analisar e compreender o Brasil e os brasileiros.
Em “Fronteiras da Europa”, o primeiro capítulo, Espanha e Portugal são o ponto de partida para tratar, por exemplo, das diversas formas de colonização da América, e de pontos que serão desenvolvidos ao longo da obra, como o tradicional personalismo e a consequente frouxidão das instituições e baixa coesão social.
A ausência do princípio de hierarquia e a exaltação do prestígio pessoal que implica em privilégio seria outra característica ibérica de grande impacto na colônia. Isso fez com que a nobreza permanecesse aberta ao mérito e ao êxito, o que favoreceu a mania de fidalguia, ou seja, a repulsa ao trabalho regular e às atividades utilitárias, de que decorre a falta de organização. O ibérico não renuncia às veleidades em benefício do grupo ou dos princípios. Aos preteridos de tal privilégio, cabe a obediência cega: “A vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens são-lhes igualmente peculiares [aos ibéricos]” (p. 39). A escravidão matou de uma vez a necessidade no homem livre de cooperar e organizar-se.
No capítulo seguinte, “Trabalho & aventura”, está a tipologia básica do livro, a distinção entre o trabalhador e o aventureiro e suas éticas opostas: a que busca novas experiências, acomoda-se no provisório e prefere descobrir a consolidar; e a que estima a segurança, o esforço e a compensação a longo prazo. O continente americano foi colonizado por homens mais próximos do primeiro tipo, o que foi positivo para o Brasil, pois o português manifestou uma adaptabilidade excepcional, ainda que “com desleixo e certo abandono”. Dada a diversidade reinante, o espírito de aventura foi o “elemento orquestrador por excelência” (p. 46). Assim, a lavoura de cana foi mais um aproveitamento de espaço do que ação de uma civilização agrícola.
“Herança rural” é o próximo capítulo que analisa o impacto da vida rural na sociedade brasileira, e suas diferenças em relação à mentalidade urbana.
A agricultura acompanhou a escravidão em seu declínio, promovido por políticos e intelectuais de família fazendeira. O capital ocioso migrou para as cidades, promovendo progresso social e investimento técnico. Isso não refletiu em um desenvolvimento coeso em função da “radical incompatibilidade entre as formas de vida copiadas de ações socialmente mais avançadas, de um lado e o patriarcalismo e personalismo fixados entre nós por uma tradição de origens seculares” (p. 79).
“O semeador e o ladrilhador” é o quarto capítulo. A cidade é entendida como instrumento de dominação já a partir de sua concepção. Ladrilhador refere-se ao espanhol, que vê a cidade como empresa da razão, como as que fundou aqui, planejadas rigorosamente e contrárias à ordem natural; como se correspondessem a um prolongamento da metrópole. Os portugueses, agarrados ao litoral, foram “semeadores” de uma cidade irregular, cuja “silhueta se enlaça na linha da paisagem” (p. 110). O aparente desleixo corresponde a uma prudência condicionada por um realismo não imaginativo ou regido por regra, fruto de um desejo pela fortuna e ascensão social rápida que coíbe a formação de uma mentalidade específica, como em outros países.
O capítulo “Homem cordial” apresenta características do brasileiro resultantes do que foi tratado anteriormente. As “relações de simpatia” reinam, ou seja, as relações impessoais, características do Estado, são suscetíveis de serem levadas para o padrão pessoal e afetivo. Isso impede a formação de uma sociedade urbana moderna. O “homem cordial” pressupõe, de fato, o predomínio do comportamento de aparência afetiva, não necessariamente sincera.
O capítulo 6, “Novos tempos”, analisa o choque nos velhos padrões coloniais causado pela vinda da família real.
A sociabilidade é aparente, uma vez que não se impõe ao indivíduo, tampouco contribui para a estruturação de uma ordem coletiva. Encontra séria barreira na individualidade que emerge na relutância perante a lei que o contraria. A isso também está ligada a satisfação no saber aparente, cujo fim está em si mesmo e, por isso, deixa de ser aplicado em um objetivo concreto. A mudança de atividade torna-se constante, por buscar a satisfação pessoal. As profissões liberais se aproximam dessas características, tanto por permitirem a manifestação individual quanto por prestarem-se ao saber de fachada. É a opção dos membros da classe dominante em função da crise das velhas instituições agrárias, por prescindirem do trabalho direto sobre as coisas, que lembra a condição servil.
A força adquirida pelo positivismo também pode estar relacionada a esse contexto. Uma confiança consistente às ideias, mesmo quando inaplicáveis, ajuda a entender o liberalismo que, no Brasil, se constituía como uma oposição à autoridade incômoda. Da mesma forma, tratou-se de importar a democracia e acomodá-la aos privilégios aristocráticos, sendo que, em outros países, elas eram conflitantes.
O capítulo 7, “Nossa revolução”, mais compacto, sugere que a dissolução da ordem tradicional ocasiona contradições não resolvidas na estrutura social, que surtirão efeitos nas instituições e ideias políticas. A passagem do rural para o urbano representa a passagem da tradição ibérica, baseada em instituições agrárias, para um modo vida próprio, americano. Está ligada a esse momento a passagem da exploração da cana de açúcar, como produto principal de exportação, para o café. Os modelos políticos do passado se adaptam aos novos tempos. Isso é possível através da combinação não harmoniosa entre leis formalmente perfeitas e uma organização administrativa ideal com o mais extremo personalismo. A Abolição tornou inviável a velha sociedade agrária, o que foi o início da “nossa revolução”. Trata-se de superar o passado, adotar o ritmo urbano e propiciar, ao mesmo tempo, a ruptura do predomínio das oligarquias e a emergência das camadas oprimidas da população, únicas com capacidade para revitalizar a sociedade, tornando viável uma vida democrática no Brasil. Contra essa tendência, poderia surgir uma resistência saudosa do antigo modelo, que, de acordo com a intensidade de sua força, poderia se traduzir em formas que comprometam as esperanças de qualquer transformação profunda. O caudilhismo, expressão maior do personalismo que intervém no processo democrático, é um exemplo dessa resistência. A repulsa pela hierarquia e a relativa ausência dos preconceitos de raça e cor são elementos que permitem a convergência rumo à democracia.
Raízes do Brasil escapa ao dogmatismo e abre o campo para a meditação dialética. O autor baseou sua análise na psicologia e na história social, com um senso agudo de estruturas, vinculando dessa forma o conhecimento do passado aos problemas atuais. Propôs que a liquidação das raízes era um imperativo para o desenvolvimento histórico. Perder as características ibéricas era o caminho para a evolução moderna brasileira, cuja trajetória não incluiu um louvor ao autoritarismo, como solução para sua organização. Sérgio Buarque afirmou, em 1936, estar na fase aguda da decomposição da sociedade tradicional. Em 1937 veio o golpe de Estado e o advento da fórmula rígida e conciliatória, que encaminhou a transformação das estruturas econômicas pela industrialização. Era o primeiro passo para a modernização.

Bibliografia:

CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.